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BRASÕES DE SINTRA
Desta edição imprimiram-se 200 exemplares em papel de linho, numerados e rubricados.
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BRASÕES
DA
SALA DE SINTRA
DE
ANSELMO BRAAMCAMP FREIRE
(2.» EDIÇÃO)
LIVRO PRIMEIRO
COIMBRA
IMPRENSA DA UNIVERSIDADE 1921
PRÓLOGO DESTA EDIÇÃO
Já vai grosso o volume; meia dú\ia de palavras de esclarecimento bas- tarão pois.
Foi meu intento, ao começar esta edição., reproduzir a primeira apenas com os acrescentamentos por ela própria já espalhados, e as alterações pro- veniejites de mais apurado exame de documentos, uns de novo encontrados, outros melhor interpretados. Este propósito mantive nos cinco primeiros artigos, nos quais pouca matéria nova se encontrará; no sexto já me alon- guei 7nais; no sétimo tornei ao primitivo plano; mas, d' ai por diante, entendi dever mudar de processo e alargar a exposição, com o intuito de aumentar a informação, ampliando portanto o número dos dados históricos apontados e registados. O resultado foi compreender este primeiro volume apenas do\e dos quinie artigos do correspondente da edição anterior, excluido ainda o Apêndice, com a Autobiografia de D. Afonso Manuel de Meneses.
l Fi\ bem ? i Fi^ mal ? O leitor decidirá.
Não alterei contudo os processos de análise e de exposição. São os da primeira edição, mais correctos e apurados até onde o meu estudo e a minha critica permitem.
Quanto ao carácter da obra e às minhas intenções ao compô-la, tudo ficou exposto no Prólogo da primeira edição do livro segundo, e como éle, o Prólogo, se reeditará no seguinte volume, desnecessário parece repetir agora a explicação já produ\ida; bem assim desnecessário também julgo alongar mais esta introdução.
Salitre, 2 de Junho de igzi.
PREAMBULO
VOL. l
PREÂMBULO
No outono de 1884 estava eu em Sintra, onde durante uns poucos de anos fui, com a minha gente, passar aquela estação e a anterior. Já não era então a minha mal conhecida Sintra doutros tempos, mas também ainda não viera a ser a Sintra do caminho de ferro, da qual fugi.
O outono é a mais bela estação do ano nos arredores de Lisboa, e so- bretudo naquela privilegiada região. Depois das primeiras chuvas a vege- tação sequiosa renasce; na atmosfera sente-se o cheiro da terra molhada, e de algumas folhas secas prematuramente caídas; o sol não abraza, pode-se aproveitar o dia todo, e respirar o ar puro um pouco impregnado de mare- sia; o ceu está límpido, o mar ao longe azul, a serra desanuviada, o arvo- redo com todos os tons desde o oiro fosco até ao verde esmeralda. As urzes e os tojos florescem, o tricolor medronheiro encanta, os ribeiros da serra começam a murmurar, os pinheirais mansamente sussurram, no ondulado campo os casais alvejam com um branco mais intenso. A natureza toda veste galas neste período transitório entre os ardores do estio, e os frios do inverno.
A tarde, depois do sol posto, uma aragem fresca tocada do mar por cima das charnecas leva o passeante a casa, e faz-lhe lembrar o fogão com o alegre estalido das pinhas e cepas. Aí, na sala, rodeado de pessoas amigas, em sã conversação, podem-se passar as horas mais quietas e desassombradas da rida. Era o que me sucedia no tal outono de 1884.
Uma noite, não sei qual, nem sei a que propósito, falou-se mais no paço de Sintra. Talvez tivesse lá havido visita demorada em companhia de foras- teiro amigo; talvez tivesse estado o dia chuvoso e agreste, e parte dele se passasse ao abrigo de suas paredes; talvez não tivesse havido nada de ex- traordinário e apenas o acaso proporcionasse o assunto à palestra; talvez. . . ^Mas para que perder-me em conjecturas, se na verdade me não lembro?
4 Brasões
O caso é que do ameno dize tu, direi eu, saiu a idea de se fazerem uns desenhos dos veados do tecto da sala das armas, e uns pequenos artigos sobre as respectivas famílias, e de se ir mandando tudo para o Diário Illiístrado o aristocrático jornal do high-life, que franqueou as suas colunas com bi- zarria:
As desenhistas foram duas ilustres senhoras: D. Maria Francisca de Me- neses, ultimamente dama camarista de S- M. a Rainha, e D. Maria Amália de Sousa Botelho, posteriormente viscondessa de Pindela. O escritor fui
eu.
Direi, que, para poupar as minhas delicadas colaboradoras, que na sala dos brasões com as cabecitas no ar se arriscavam a torticolos constantes, aproveitei haver nos veados umas certas parecenças, e dividi a manada em grupos, que mais se assemelhavam. Confessada a culpa, ficará, não só me- tade dela perdoada, mas toda, atendendo à intenção.
Feitos os desenhos, quem os passava às chapas de madeira era outro amigo, o visconde Júlio de Castilho (i), hábil desenhador, e paciente revisor de provas e original.
Era pois tudo feito por assim dizer em família.
Os artigos começaram curtos, mas foram estendendo, estendendo, e tanto, que o Diário Illustrado já pedia misericórdia, e já ia dando a prosa em doses homeopáticas. Alem disso eu adoptara o sistema de preceder cada artigo de um pequeno quadro de história pátria, ligado à origem da geração de que ia tratar. Ao princípio ia a coisa bem; depois começaram a escacear os assuntos; cheguei aos Britos, e não sabia já para onde me havia de voltar, nem conhecia facto histórico ainda não narrado, que pudesse servir de intro- dução à origem da família. No artigo dos Henriques havia-me valido dos desta linhagem terem tido uma casa na praça de Évora, para narrar os cé- lebres festejos aí realizados por ocasião do casamento do príncipe D. Afonso, cometendo um anacronismo, pois que a esse tempo ainda a casa não era dos senhores das Alcáçovas. Agora porém, nos Britos, não havia janela nem porta por onde entrasse que não estivesse escancarada. íQue fazer? O que a preguiça me aconselhava: largar a pena. Assim fiz, e nada se perdeu.
Amigos benévolos começaram a incitar-me a concluir o trabalho, ou pelo menos a reunir em volume o já publicado. Meia dúzia de pessoas, a quem o assunto interessava, diziam-me o mesmo; eu porem, ajudado pela querida
(i) Quási todos já morreram ! A Viscondessa de Pindela levou-a a morte a 14 de Abril de 1917; o Visconde de Castilho, em 8 de Fevereiro de 1919.
Preâmbulo 5
preguiça, ia sempre resistindo. Nem o poeta foi capaz de me espertar, apesar de se me dirigir em verso:
Ressuscitar as memorias das passadas gerações, e d'entre o pó das historias evocar todas as glorias das antigas tradições, é serviço, é incitamento, é missão honrada e nobre;
(0.
Assim se passaram anos.
Agora resolvi-me, e de repente arranjei tipógrafo, e começou a impres- são.
Não me convenceram vaidades, que não tenho,,, nem devo ter; é unica- mente o desejo dos meus estudos poderem aproveitar a algum investigador, poupando-lhe pouco trabalho que seja. Mais nada.
Dos vinte e dois artigos publicados no Diário Illustrado vão agora neste volume treze, e mais dois que nessa ocasião se não escreveram, o dos Vas- concelos e o dos Silvas. Vão todos muito imperfeitos, aproveitei o que já tinha, e pouco mais lhes acrescentei. A paciência hoje é pouca para gran- des investigações. Do que tratei foi de amenizar o mais possível o árido assunto.
Ao publicar estes trabalhos, nos quais são recordados muitos feitos he- róicos da nossa história; ao publicá-los agora, nestes tempos de absoluta de- cadência e esfacelamento em que nos encontramos, sinto-me descoroçoado. Quando a nação perdeu todo o seu vigor, todç o seu brio; quando o velho rubro sangue português se transformou numa dessorada aguadilha; quando a dedicação se fez egoísmo; quando a abnegação se tornou em interesse, é triste escrever os nomes de D. João de Castro, Afonso de Albuquerque, Nuno Álvares Pereira, D. João I; é tristíssimo recordar Trancoso, Ceuta, Aljubarrota, Montijo (2).
Se a pátria está moribunda, a velha nobreza, essa, morreu. Aquela ainda poderá despertar; esta é-lhe impossível reviver. Nem todos os raios fulmi-
(i) Júlio de Castilho, Manuelinas, ed. de i88g, pág. i85, na «Singela historieta».
(2) Isto escrevia em 1899; veio depois uma alvorada de esperanças, mas desapareceu antes do sol nascer, e hoje, infelizmente, ao quadro acima traçado só tenho de carregar as sombras.
^ Brasões
nam, ou assombram; há-os de luz que esclarecem o espírito; ^porque não há de vir um vivificante, que anime o generoso coração meio parado, e faça ressurgir do letargo em que jaz este pobre Portugal? Que Deus o despeça, e quanto antes. Agora, ressuscitar o que está morto, isso só um milagre, e milagres já se não vêem.
A nobreza em Portugal morreu. Não foram os decretos de 84, não foi a abolição dos vínculos em 60, que a mataram. Não houve assassínio, houve suicídio.
Uma educação piegas, uma perfeita incapacidade administrativa, uma degeneração resultante dos sucessivos cruzamentos do mesmo sangue, uma sorte de fatalismo ainda mussulmano, foram as caus"as prir^cipais que deram cabo da fidalguia portuguesa. Ao menos, sirva isso de lenitivo, acabou ela alegre; morreu a rir, a escarnicar daqueles que a pouco e pouco lhe foram comendo os morgados, as casas, os bens, lhe foram usurpando os direitos, as regalias, os títulos. Agora chora ela, mas já não tem remédio.
O Rei, o representante do princípio monárquico, que sem nobreza para estabelecer a transição não pode existir, o Rei teve também muita culpa neste esfacelamento, que se não vê noutros países monárquicos. De princípio, se ele como chefe da nobreza, què deveria querer sempre ver honrada e digna, a protegesse, a amparasse, a animasse, a estimulasse, talvez lhe pudesse in- cutir o vigor suficiente para, ao menos em parte, resistir à onda que a arras- tava. Se êle também, na qualidade de seu protector, na de bom chefe da família, como fora o Rei no passado, tivesse tido sempre na mão os inte- resses dos seus fidalgos, tivesse dificultado aos seus ministros o enobreci- mento de pessoas pouco dignas, e proibido absolutamente o das indignas, não teria talvez conseguido curar toda a velha nobreza da eiva que trazia em si, mas teria de certo impedido o estado vergonhoso a que se chegou. ' O Rei foi cedendo, cedendo, a fidalguia foi descaindo, descaindo, os ministros foram abusando, até que hoje as distinções honoríficas, despresadas por mui- tos, são já escarnecidas por todos. Ainda se a coisa se passasse só em fa- mília! Mas não, por que, para maior opróbrio, ainda são os estrangeiros, quem mais escarnece!
lA um homem realmente ilustre, que verdadeiros e assinalados serviços preste à pátria, que lhe há de dar o Rei? ^Um título? Ele porem, se for um vencedor de batalhas, não o aceita, lembrando-sc de que se fazem mar- queses por vitórias eleitorais; êle, se fôr um administrador honrado, um legislador sábio, desprezará o título, recordando-se de que se teem feito grandes do reino homens implicados em negócios escusos. ^O que lhe há de dar então o Rei? ^Uma condecoração? Deixem-me rir! uma conde- coração! (íA gran-cruz de Cristo talvez? ^Mas essa em quantos peitos
Preâmbulo 7
de banqueiros judeus não anda ela a embaciar-se por todo esse mundo fora? (i)
O mal hoje não tem remédio; ^jpara que me hei de alongar em conside- rações que ninguém me agradecerá? Nada, volto ao assunto.
Deveria talvez aqui dar uma notícia circunstanciada de tudo quanto eu soubesse da sala das Armas, e até mesmo do próprio paço de Sintra, onde ela está; mas isso levar-me hia muito longe, e portanto resumirei, limitan- do-me ao que reputo indispensável.
El rei D. Manuel foi quem cuidou em estabelecer certas regras e acabar com o arbítrio no uso das armas, e na concessão dos brasões. Para este fim mandou por todo o reino ver e tomar nota dos escudos, insígnias e le- treiros que espalhados por ele havia, para do resultado se fazer um livro onde se pintassem os brasões (2).
Assim o declara o cronista, e em confirmação apresentarei a prova de que, ainda depois do tal livro feito, se continuavam as pesquisas e informa- ções.
Fr. André do Amaral, comendador da Vera Cruz, chanceler mor e em- baixador de Rodes, requereu se lhe dessem as armas de seu quinto avô ma- terno Domingos Joanes, instituidor de morgado com capela na igreja de Santa Cruz de Oliveira do Hospital, onde estava sepultado com o seu brasão no túmulo. Antes porém de se lhe despachar o requerimento, mandou el Rei o Rei de armas índia àquela vila examinar o escudo de Domingos Joanes, e só na volta, depois de se lançar o desenho no Lipro dos Reis d' Armas, é que se passou a carta de brasão ao suplicante em 23 de Abril de i5i5 (3).
Torno ao livro dos brasões, ou melhor, aos livros dos brasões, porque me consta da existência de três ordenados por D. Manuel. Dois subsistem; são os chamados do Amieiro mor, e da Torre do Tombo; o outro, o mais velho, tinha o título de Livro antigo dos Reis d' Armas, e desapareceu, quando o terremoto arruinou o Cartório da Nobreza (4). Foram eles respectivamente ordenados por aquele Rei a João Rodrigues, rei de armas Portugal, ao ba-
(i) Se isto sucedia na Monarquia, não lhe quis, ultimamente, desde que se restabelece- ram as distinções honoríficas, ficar atraz a República, e o enxurro das condecorações reco- meçou a enxovalhar as gentes.
(2) Góes, Chronica do felicíssimo rei Dom Emanuel, fl. 347 da ed. de 1619.
(3) Armaria portuguesa, apêndice ao Arquivo histórico português, pág. 27.
(4) Fr. Manuel de Santo António, Thesouro da Nobreza, no artigo dos Osmas, o-i i, diz que as armas destes «estavam no Livro da Armaria dos Reis d'Armas, que se incendiou, de que conservamos copia».
8 Brasões
charel António Rodrigues, outro-sim Portugal rei de armas, e a António Go- dinho, escrivão da câmara.
Alguma coisa direi de cada um dos livros, começando pelo mais antigo.
Em 14 de Janeiro de 1490 era Portugal rei d'armas João Rodrigues, que naquela data subscreveu a carta de brasão de Pêro da Alcáçova, o dedicado escrivão da fazenda de D. João II (i). A 21 de Junho de i6o5 foi passada uma carta de brasão pelo rei de armas predecessor de António Rodrigues, segundo este mesmo declara noutra de 10 de Dezembro de i5i6 (2). O pre- decessor não nomeado por António Rodrigues sabe-se ter sido Martim Vaz como no-lo revela um documento, bem interessante por sinal. É ele o alvará de 23 de Outubro de i5i3 dirigido ao Feitor de Flandres, então João Bran- dão, dando-lhe ordem para assistir com trinta cruzados anuais, por tempo de dois anos, a Pêro de Évora, filho de Martim Vaz, rei de armas, enviado àquele Estado para aprender o que pertencesse ao ofício do pai (3). Dos conhecimentos de iluminura e de brasão adquiridos em Flandres por Pêro de Évora resultou, como logo notarei, o vir êle a ser, poucos anos depois, encar- regado da pintura das cartas de brasão.
Tornou o predecessor de António Rodrigues a conceder mais uma carta de brasão, em 2 de Julho de i5o6, na qual declara dar a Nuno Caiado «as armas . . . como vão figuradas e pintadas no meio desta . . . e assim como foram e estão regis[adas no livro da nobre:{a do tempo que el Rei nosso se- nhor mandou por mim ordenara (4).
As armas dos Caiados são as mesmas dos Gamboas, ou, para melhor dizer, aqueles não teem armas próprias e trazem as destes.
Nem rio Livro do Armeiro mor, nem no da Torre do Tombo existem armas especiais para os Caiados, e as dos Gamboas estão em ambos eles na penúltima folha, que deveria ter sido pintada, no primeiro dos referidos livros, muito proximamente à data em que o deram por findo, isto é, a i5 de Agosto de 1609, e por tanto três anos depois da carta de brasão de i5o6, na qual se declara existirem as armas dos Caiados, ou dos Gamboas (não é muito claro) já pintadas e registadas no livro da nobreza. Alem disto Fr. Manuel de Santo António, reformador do Cartório da Nobreza por provisão de 29 de Março de 1745, e autor do Thesoiiro da nobreza, traz referências
(i) Armaria portuguesa cit., pág. 12. (2) Ibidem, págs. 533 e 534.
Í3) Corpo cronológico, part. I, mac. i3, doe. 82; J. P. Ribeiro, Dissertações, V, 338. (4) Está este documento na Collecção de cartas de brasão da Biblioteca Pública de Lvora, e foi impresso pelo Visconde de Sanches de Baena no Archivo heráldico, pág. 679.
Preâmbulo 9
em várias partes desta obra ao Livro antigo dos Reis d' Armas, o qual de- certo teria tido muitas ocasiões de manusear, e no artigo dos Caiados lá diz ele, que as suas armas se achavam no mencionado livro.
Mais ainda. Quando se passou a referida carta de brasão a Fr. André do Amaral, em 23 de Abril de i5i5, mandaram-se lançar as armas de Do- mingos Joanes no Livro do rei d' Armas. Não foi no feito por António Ro- drigues, porque neste não se encontram elas, e mesmo porque até já estaria entregue ao Armeiro mor; não se deve supor seria no ordenado por António Godinho, que em i5i6 ainda andava pintando a folha sétima, como adiante provarei; logo foi no outro, no tal que depois se chamou Livro antigo dos Reis d' Armas (i).
De todo o exposto deverá concluir-se o seguinte:
Existiu um livro de brasões, ordenado por D. Manuel ao rei de armas pre- decessor de António Rodrigues;
Este livro não é o do Armeiro mor, pois que naquele já em i5o6 estavam pintadas umas armas, que, ou eram as dos Caiados e se não encontram no outro livro, ou eram as dos Gamboas, e neste só foram pintadas nas proxi- midades de iSog;
No Cartório da Nobreza existiu um códice intitulado Livro antigo dos Reis d' Armas, no qual se via o brasão dos Caiados e que muito provável é ter sido o primeiramente ordenado por D. Manuel.
O segundo livro dos brasões foi mandado fazer por D. Manuel, que da sua pintura, ou pelo menos da sua ordenação, encarregou o bacharel António Rodrigues, rei de armas Portugal e juiz da nobreza, o qual o fez, depois de prestar juramento de a cada um guardar sua justiça, e o assinou e selou com suas armas, em Lisboa, a i5 de Agosto de lõog. E este livro o chamado do Armeiro mor, em cuja casa esteve depositado durante séculos, e que hoje (1899) está em poder dei Rei (2).
(i) Com estas armas de Domingos Joanes dá-se a coincidência singular de terem desa- parecido de toda a parte, menos da capela onde primeiramente existiram. Mandaram-nas lançar no Livro dos reis d'armas, este destruiu-o o terremoto; lançaram-nas no Livro da Torre do Tombo na folha 24, esta é uma das roubadas. Existem contudo em Oliveira do Hospital na capela modernamente chamada dos Ferreiros, onde está sepultado Domingos Joanes, e onde em i5i6 se foram copiar. Ali, na tal capela, lá se vê o escudo da aspa acom- panhada das quatro flores de lis, como se descortina numa fotogravura do folheto de Ade- lino Abreu intitulado Oliveira do Hospital.
(2) A descrição deste livro seria muito curiosa, mas alongaria desmesuradamente estes preliminares, e espero ter ainda ocasião mais apropriada para o descrever. Ainda assim
VOL. 1 2
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I o Brasões
Ainda antes do livro ser datado e assinado, ordenara D. Manuel, em 5 de Julho de t5o9, as segundas adições ao Regimento do Armador mor, assi- nado, dia a dia, dois anos antes. Nestas adições, entre outras coisas, diz-se isto: «Hordenamos, que o livro, que mandamos fazer das Armas dos Fidal- guos de nossos Regnos o tragua sempre o dito nosáo Armador mor, em huma das arquas, em que andarem as armas de nossa pessoa para que cada vez, que nos quizermos ver, ou cumprir de ser visto por algum caso, nollo possa mostrar, e dar.» Transcrevo isto conforme o encontro na Historia genea- lógica, onde, depois de copiar aquele período, acrescenta D. António Cae- tano de Sousa estas palavras: «e por este justificado motivo he, que este livro está em poder do Armeiro mor, e os que naõ tem esta noticia lhes pa- recia muito estranho, ver este livro fora do Archivo Real» (i). Dizia o Tea- lino muito bem; e agora que o livro deixou de estar em poder do Armeiro mor, e está na mão dei Rei, para a Torre do Tombo, para o Arquivo Na- cional, é que ele deverá ir, e, se não está já lá, é porque ainda ninguém o lembrou a S. M., que foi quem salvou o precioso códice de ir parar a algum museu estrangeiro, pelo que todos muito gratos lhe estamos (2).
transcreverei a autêntica, que o precede, por ser curta e por ter sido impressa há pouco com muitos erros. Diz ela:
«Liuro ;• das armas C Que ho muyto alto. d Muyto excellente. E muyto poderosso princepe. ([ ElRey dom manuell ([ Primeiro Nosso Senhor. ([ Per graça de ds. Rey de por- tuguall T dos alguarues. C Daquem t dalém. mar. Em africa x Sor de guinee. {[ E da con- quista. Naueguaçom. E comercio de ethiopia. Arábia. Pérsia. E da Jndia Madou Amy Rey darmas Portuguall C Juiz da nobreza. Que cõpossese t hordenasse, ([ E nelle asentasse, Todallas armas. Dos. Reys. E princepes xpaãos. d E asy Judeus. Mouros x gentijos. ([ Domde primeiramente, decendeo. x começou. A nobreza. ([ E asy asentasse x possese : Todallas armas. Dos nobres destes Reynos E senhorios. Cada huúas em seu luguar propio. ([ E bor- dem. Como forom dadas antiguamente A cada hua C E pêra ello me mandou dar Juramento. C Sobre os sanctos avangellos per pêro de lemos seu capela C E afomsso mexia, estpriuam da sua camará. ([ Que bem x verdadeyramente. A Cada huu guardase sua Justiça. ([ Asy no luguar x antigujdade. Como em todo ali. E ho asinasse. De meu propio synall x armas. ([ Feyto em lixboa. A xv. ds de agosto de mill e. v. & ix. Annos».
A direita assinado: «Rey darmas Portugall«, em duas linhas. — A esquerda o brasão iluminado: Escudo pendido, cortado: o I de vermelho, águia de prata; o II faxado de oiro e azul de oito peças. Elmo de aço guarnecido de oiro, de três quartos, quási cerrado. Tim- bre: adejo de oiro. Paquife de oiro forrado de vermelho. Virol de vermelho perfilado de prata, e de azul. Correia de verde.
( 1 ) Historia genealógica, vol. I, pág. cxciv.
(2) Também concorri um pouco para que o pMicioso livro das armas se não perdesse, e de façanhas destas ninguém levará a mal gabar-me.
Estava eu um dia num grande armazém de leilões e vendas na avenida da Liberdade, quando apareceu o Marquês da Foz, também frequentador da casa e grande comprador de
Preâmbulo i \
Hoje já se encontra no Arquivo Nacional.
No mesmo lugar citado, na página precedente porem, havia-nos dito D. An- tónio Caetano de Sousa, que, quem iluminara o Livro do Armeiro mor, tinha sido mestre Arriet, alemão.
Deste estrangeiro e doutro, mais do que hipotético me parece, Jean du Cros, não encontro notícia nenhuma. Aparece porem a carta de nomeação de rei de armas Algarve a Jamays, que pelo nome não se me afigura Portu- guês (i). Foi ela passada a 2 de Junho de í5i4; ele já anteriormente porem exercia o ofício como consta de uma carta de brasão de 27 de Abril do mesmo ano (2). .Tenho ainda conhecimento de outra carta por êle passada no apon- tado ano de 1 5 14, a 1 1 de Julho (3), e sei que em i3 de Abril de 1627 já outro era o rei de armas Algarve (4). Nas duas cartas de brasão indicadas aparece o nome do rei de armas escrito James.
Darei em seguida as noticias, até agora encontradas, relativas ao bacharel António Rodrigues e aos seus colaboradores, no período áureo da heráldica portuguesa.
Martim Vaz, predecessor daquele rei de armas, ainda passou uma carta
objectos valiosos. Conversámos um bocado, e de repente pregunta-me o Foz, se eu co- nhecia um livro em pergaminho com brasões iluminados. O coração estremeceu-me logo, mas, não dando nada a conhecer, fui puxando e ouvindo, e já persuadido de que se tratava do Livro do Armeiro Mor, adquiri a certeza quando o Marquês se me referiu a outro pre- cioso manuscrito, um livro de horas, revelando haverem-lhe sido ambos oferecidos.
Não podia haver dúvidas. O Duque de Albuquerque, armeiro mor, tinha o livro na sua mão e havia morrido pouco antes; eram pois os herdeiros que tratavam de fazer dinheiro das duas preciosidades, ambas minhas conhecidas. Amicus Fo^, sed magis arnica heráldica corri ao Terreiro do Paço, subi ao ministério do Reino, falei ao ministro, então António Cândido Ribeiro da Costa, e preveni-o.
Este, ou outra pessoa, mandou pedir o livro da parte dei Rei aos herdeiros do falecido Armeiro mor, e salvou-se a preciosidade. Posteriormente, por uma carta de 25 de Junho de 1899 do actual Conde de Mesquitela, um daqueles herdeiros, soube com exactidão como teve lugar a entrega do precioso códice. Foi o Conde de S. Mamede, secretário dei Rei, e não o Ministro do Reino, quem, em nome de D. Carlos e da sua parte, manifestou o desejo de consultar o livro, desejo imediatamente satisfeito. Não obstante, acrescentava eu em 1899, era para a Torre do Tombo que o livro precisava ir, não só por ser lá o seu lugar, mas também por a forma como êle saíra da mão dos herdeiros do penúltimo Conde de Mes- quitela, assim o exigir.
Na Torre do Tombo já êle se encontra, tendo sido para lá remetido em Setembro de 1912, segundo lacónica informação do actual Director.
(i) Corpo cronológico^ part. I, mac. i5, doe. 53.
(2) Chancelaria de D. Manuel, liv. i5.°, fl. 58.
(3) Ibidem, liv. 11.», fl. 42.
(4) Chancelaria de D. João III, liv. 2.» de Doações, fl. 5-/ v.
1 2 Brasões
de brasão, já lá acima indicada, em 2 de Julho de i5o6; poucos anos porem depois, em iSog, já António Rodrigues era Portugal rei de armas principal, como consta da data do Livro do Armeiro mor por ele assinado. Contudo as primeiras cartas de brasão, que encontro passadas em seu nome, são duas do ano de i5i2 (1).
Organizada por D. Manuel a pomposa embaixada de Tristão da Cunha ao papa Leão X, o Rei de armas Portugal, que, com «seu escudo muy bem atabiado», precedia o embaixador no memorável dia 12 de Março de i5i4, em que êle, com o elefante, onça e tudo mais, fez a solene entrada em Roma (2), era o nosso bacharel António Rodrigues (3). Pouco por lá se de- morou, pois que a 25 de Outubro do mesmo ano já de volta passava uma carta de brasão em Lisboa (4).
Por cá permaneceu exercendo o seu ofício, e alcançou, em i53o, por al- vará de 10 de Fevereiro, confirmado por carta de 12 de Abril de i535, que fossem obrigados todos os possuidores de despachos para tirarem armas, a requererem as respectivas cartas de brasão, sob pena de perderem o direito aos despachos (5).
Depois foi nomeado juiz das sisas de Lisboa por carta de i3 de Abril de 1644, com o mantimento anual de cinquenta mil quatrocentos e oitenta e cinco reais (6), e ficou acumulando os dois ofícios, como consta do alvará de 3 de Outubro de i55o para lhe ser pago aos quartéis do ano, isto é, aos tri- mestres, a aposentadoria numas casas por ele indicadas (7).
Ainda viveu António Rodrigues mais alguns anos, porque o encontro
«subscrevendo várias cartas de brasão até 6 de Julho de i558 (8). Em iSõg,
a 29 de Junho, passou-se ainda outra das tais cartas, esta porem transitou
directamente pela Chancelaria, e portanto não se fez nela referência ao Rei
de armas (9). No ano seguinte de i56o quem exercia o ofício de Portugal
(i) Chancelaria de D. Manuel, liv. 42.", fl. 2 v. e 4.
(2) Corpo diplomático português, I, 284, carta do dr. João de Faria a el Rei.
(3) A 25 de Abril de i5i4 passou o Rei de armas índia uma carta de brasão {Chancelaria de D. Manuel, liv. 11.», fl. 62 v.); a 3 de Junho seguinte passou êle outra, declarando o fazia por quanto o Rei de armas Portugal não era no reino {Ibid., fl. 40) ; a 1 1 de Julho, sempre do mesmo ano de i5i4, foi passada uma carta de brasão por James, rei de armas Algarve, na ausência do Rei de armas Portugal, em serviço com Tristão da Cunha, embaixador em Roma {Ibid., fl. 42).
(4) Chancelaria de D. Manuel, liv. 11.°, fl. 65 v.
(5) Chancelaria de D. João 111, liv. io.° de Doações^ fl. 60.
(6) Ibidem, liv. 5." de Doações, fl. 89 v.
(7) Ibidem, liv. 4.° de Privilégios, fl. 45 v.
(8) Chancelaria de D. Sebastião, liv. i." de Privilégios, fl. 291.
(9) Ibidem, fl. 25 1 .
Preâmbulo 13
rei de armas era o filho de António Rodrigues, Gaspar Velho, que naquela qualidade passou uma carta de brasão em i6 de Março (i). Provavelmente o Rei de armas de D. Manuel era já morto.
Nos quatro anos de i5i2 a i5i3 encontro, fazendo as cartas de brasão, nem menos de sete indivíduos, nenhum deles porem se intitula escrivão da nobreza, e julgo que o seu trabalho teria sido unicamente a parte caligráfica dos documentos, executando a artística, a iluminura, o próprio Rei de armas, ou o tal colaborador, que se diz ele tivera no Livro do Amieiro mor.
Em i5i7 porém, a 2 de Abril, aparece-me Pêro de Évora, escrivão da nobreza, fazendo uma carta de brasão (2). O alvará de nomeação, no qual êle é declarado arauto do Príncipe, foi-lhe contudo só passado a 22 de De- zembro de 1620 (3).
Por este documento consta, que Pêro de Évora tinha a seu cargo fazer todas as cartas de armas iluminadas e com o seu escudo pintado e timbre, se o tivesse, e tudo acabado da maneira como êle havia feito a do Barroso de Flandres (4). Ficou obrigado a ter sempre esta à mão, posta em uma táboa e assinada por el Rei, para servir de modelo e amostra aos interessa- dos, que por cada uma análoga por êle passada seriam obrigados a pagar-lhe oitocentos reais; isto, se eles não quisessem obra milhor, porque então de- penderia de ajuste. Morto D. Manuel, pediu Pêro de Évora confirmação do seu ofício a D. João III, e então requereu aumento no preço das cartas de brasão, alegando ser aquele diminuto, pois que gastava muito tempo em as fazer, e lhe davam muito trabalho. El Rei deferiu-lhe, confirmando o ofício e pondo a taxa de mil reais às cartas, por alvará de 10 de Janeiro de i534(5).
Além de escrivão da nobreza foi Pêro de Évora também rei de armas Al- garve, e assim se intitula já em carta de brasão de i3 de Abril de 1627 (6), e ambos estes ofícios conservou até à morte, acumulando-os com o de escri- vão d'ante os corregedores do cível e crime da correição de Lisboa, para que foi nomeado em 3 de Março de i53o (7).
E com data de 3i de Julho de i537 que encontro a última carta de brasão
{i) Armaria portuguesa CiX-j^çià.^. 5 \o.
(a) Chancelaria de D. Manuel, liv. 9.°, fl. 7 v.
(3) Chancelaria de D. João III, liv. 42 <> de Doações, fl. io3, incluído noutro.
(4) O secretário Cristóvão Barroso, enviado e depois embaixador de Carlos V a D. João III e que parte muito activa tomou em contrariar o casamento deste rei com sua madrasta, se é que em tal se pensou.
(5) Chancelaria de D. João III, liv. 42.° de Doações^ fl, io3,
(6) Ibidem, liv. 2.°, fl. 5j v.
(7) Ibidem, liv. 42.", fl. io3 v.
H
Brasões
feita por Pêro de Évora, entre as registadas na Torre do Tombo (i), e já a 21, 23 e 27 do mesmo mês aparecem outras feitas, em nome de Pêro de Évora, por António de Holanda (2), que de 7 de Agosto (3) por diante con- tinua a fazer as mais.
Seria nesta ocasião, princípios de Agosto de i537, '^^^ ^ Escrivão da nobreza partiria em serviço dei Rei para França, onde faleceu antes de i3 de Janeiro de 1542, data da carta de mercê do ofício a seu íilho Jorge Pe- droso (4). Creio mesmo que morrera muito antes, porque até 9 de Agosto de i638 António de Holanda declara fazer as cartas por Pêro de Évora, es- crivão da nobreza, ao passo que, logo a 23 de Setembro do mesmo ano e d'aí por diante, êle as faz por mandado de S. A., sem mais nomear o antigo Escrivão (5). D'aqui concluo, talvez acertadamente, que já então tinha che- gado a notícia do falecimento de Pêro de Évora. E ainda mais mo confirma o ver a António de Holanda intitular-se escrivão da nobreza em 3 de Março de 1539, como logo direi.
Deveria ter Pêro de Évora partido para França com o dr. Brás Neto, bispo de Santiago, e com o desembargador Afonso Fernandes, nomeados por D. João III, em i5 de Julho de 1637, para servirem com dois Franceses de juízes árbitros na questão das tomadias, que haviam de ser julgadas em Baiona (6).
Aquele António de Holanda, acima nomeado, é o bem conhecido pai do famoso Francisco de Holanda, e por este em seus escritos posto nos píncaros da arte de iluminador.
Sucedera António de Holanda a Francisco Henriques, notável pintor do seu tempo, falecido de peste em fins de i5i8, princípios de iSig, no ofício de passavante e já o exercia em 1628(7). ^^^ P^^^ ^^ qualidade de oficial da nobreza que êle começou a servir de escrivão por Pêro de Évora a 21 de Julho de 1537, como fica dito; já antes disso porem por algumas vezes tinha pintado cartas de brasão por provisão, ou especial mandado, dei Rei. Duma sei eu a I de Outubro de i533 (8), e doutra a 27 de Setembro de i536, na qual já se intitula oficial da nobreza (9).
(1) Chancelaria de D. João III, liv. 23.* de Doações, fl. G4 y.
(2) Ibidem, liv. 44.°, fl. 82, e liv. 23.", fl. 82.
(3) Ibidem, liv. 23.», í\. gS v.
(4) Ibidem, liv. 42.", fl. io3.
(5) Ibidem, liv. 44°, fl. 94 v., e liv. 27.°, fl. 9.
(6) Visconde de Santarcrri; Quadro elementar, III, 264.
(7) Vida e obras de Gil Vicente, pág. 241.
(8) Chancelaria de D. João III, liv. 46.'* de Doações, fl. 72 v.
(9) Ibidem, liv. 22.», fl. 92.
Preâmbulo i5
De 7 de Agosto de iSSy por diante, até 9 do mesmo mês do ano seguinte, como já disse, fez António de Holanda trinta cartas de brasão por Pêro de Évora, escrivão da nobreza, ausente em França. De 23 de Setembro desse mesmo ano de i538, até 21 de Fevereiro do seguinte, encontram-se quatro cartas feitas pelo mesmo oficial da nobreza por mandado especial dei Rei (i). Em 3 de Março de iBSg intitula-se escrivão da nobreza (2), e d'aí por diante fez mais cinquenta e quatro cartas de brasão, subscrevendo umas apenas com o seu nome, outras declarando as fizera por especial mandado, e muitas in- titulando-se, ora oficial da nobreza, ora seu escrivão. A última por êle feita é de 19 de Julho de i532 (3), notando-se que isto é tirado das registadas na Torre do Tombo, que muitas outras faria, tanto este escrivão da nobreza, como o seu predecessor, as quais não fossem lá registadas.
Em 3i de Agosto de 1642 já existe uma carta de brasão feita por Jorge Pedroso, escrivão da nobreza, filho de Pêro de Évora, para aquele ofício no- meado em i3 de Janeiro do mesmo ano (4).
Foram pois Pêro de Évora e António de Holanda os dois principais co- laboradores de António Rodrigues, e os artistas exímios que iluminavam aqueles tam característicos e scientíficos, desculpem-me a expressão, brasões quinhentistas.
Antes de acabar coni êle ainda mais duas palavras a respeito do Livro do Armeiro mor, ou Livro Grande, como também lhe chamavam.
Quando António Rodrigues, em 16 de Agosto de 1609, o datou, assinou, e provavelmente entregou ao Armador mor, não estava o livro acabado, ou então era muito deficiente (5).
Pelo mesmo pincel estão iluminados os brasões até à folha i34 inclusive, e mais um escudo no alto da folha i35. Na folha i36, tomando toda a lauda, está pintado por outra mão, mas ainda de artista, o brasão dos Ribafrias, tendo escritos por baixo uns dizeres relativos à concessão daquelas armas. Na folha seguinte, a 137, também tomando todo o recto dela, vêem-se as armas de Diogo de Torres, estas porém pintadas por mão bem mais inexperiente.
(i) Chancelaria de D. João III, Doações, livs. 27.°, fl. 2, 9 e 16, e 44.°, fl. ii3 v. (2) Ibidem, liv. 27.°, fl. 20 v. Í3) Ibidem, liv. 32.», fl. 64.J
(4) Ibidem^ liv. 32.», fl. 74 v., c liv. 42.", fl. io3.
(5) Pedro de Mariz, no Prólogo anteposto à Chronica de D. Afonso IV de Rui de Pina e impresso juntamente com ela na edição de i653, no verso da folha 5 das preliminares não numeradas, declara haver sido o livro dos brasões, mandado fazer por D. Manuel e por êle entregue aos Armadores mores, acabado no ano de iSig, «como delle se vê». O que dele se vê é ter havido aqui erro de cópia ou de impressão, porque no livro está muito clara- mente «XV. dias de agosto de mill e .v^. e ix. Annos».
1 6 Brasões
Não é por ao livro se terem acrescentado estas armas, que eu Julgo ele ter sido dado por promo, estando incompleto ainda; não é, porque elas são ambas de datas muito mais modernas, umas de i54i, as outras de i56o. E sim por nele faltarem armas concedidas por cartas de brasão anteriores a iBoQ, que julgo o livro ter sido entregue incompleto, ou então ter o trabalho sido revisto com pouco cuidado. Note-se sempre que eu só sei do existente na Torre do Tombo, e que muito mais haveria que lá não chegou a ser re- gistado, facto pelo próprio livro atestado.
Existiam já as armas dos Guantes dadas em 20 de Julho de 1454, as dos Cáceres, em 23 de Junho de 1459, as dos Câmaras, em 4 de Julho de 1460, as dos Frades, em 8 de Novembro de 147 1, e as dos Garros, em 3i de Agosto de 1475 (i), e nenhuma delas aparece no livro de António Rodrigues. Isto não falando nas armas concedidas a Gil Simões, Lopo Esteves, João Lou- renço, Gabriel Gonçalves (2) e outros, porque estes não originaram estirpe, e d'aí não admira lhes não dessem cabimento aos brasões no Livro do Ar- meiro mor.
Vamos agora ao terceiro livro.
Apesar das acuradas investigações, e do primor da iluminura, reconhe- ceu-se que ao livro de António Rodrigues faltava, como a toda a obra hu- mana, a perfeição. Para remediar isto encarregou D. Manuel a António Godinho, escrivão da câmara, de emendar os erros contra as regras da ar- maria cometidos, e de acrescentar o que necessário fosse, principalmente os timbres, a cada uma das linhagens. Do trabalho de António Godinho vemos o brilhante, ainda que não de todo impecável, resultado, em um livro, cha- mado da Torre do Tombo por lá ser guardado. Tem ele um título mais moderno em letras doiradas dentro de uma espécie de ramagem feita à pena com tinta preta, tomando todo o frontispício e cheia de desenhosinhos. Diz o título: Liuro da nobreza / perfeiçam das armas / dos Reis christãos e no- bres li I nhages dos reinos e senhori / os de Portugal / (3).
(i) Armaria portuguesa cit., págs. 235, 97, 104, 2o3 e 221.
(2) Respectivamente em 1488, 1471 e 1475 (duas), Ibidem, págs. 477, 184, 280 e 23i.
(3) Assim como do livro de António Rodrigues, reservarei a descrição do de António Godinho para ocasião mais oportuna. Transcreverei contudo o Prólogo, interessante, ape- sar de um pouco longo, e que serve em parte para fundamentar o meu texto. Aí vai:
«PROLOGO DIRIGIDO AO MVITO ALTO E MVITO PODEROSO ELREY DOM lOAM O TERCEIRO DESTE NOME E QVINTODECIMO DOS REIS DE PORTVGAL Per antonio Godinho Seu Scriuam da Camâra
MVITO ALTO E MVITO PODEROSO REY E SENHOR DICTO HE DE PLATAM. Que se a virtude com os olhos corporaes se visse, Geraria amor de ssimesma, E por isso os
Preâmbulo 17
Pela leitura do Prólogo deste livro na nota transcrito fica-se sabendo, melhor que pela Chronica, quais as intenções de D. Manuel ao ordená-lo.
poetas & sabeos trabalharão, De a ensinar decrarandoa per metaphoras fingimentos de figu- ras, Pêra o etediméto & coracã a milhor setir e cõceber, Os antigos fazia statuas c6 q muito encendiã os ânimos nella segundo SALVSTIO & outros autores, E por que nos premyos Que os príncipes dam aos bõs, A proporçam he necessarea segundo as calidades dos méritos. Cousa conueniente foy os que sinaladas virtudes fazem serem sinalados com images de insines armas. Com as quaes guardando a immortalidade de suas famas, Seus socessores teuessem obrigaçam : de os imitar, Que muita parte dos homcs se moue mais polia fama q per outra virtude) E vedo nas coronicas se nõ screuer de todos & dos Que ssescreue: sere breuemete recõtados seos feitos: nõ se tratando dos priuilegios liberdades Que per cartas dos REIS lhes foram dadas Quando os nobilitarão, Tinha em costume por suas memoreas se nom perderem, Assi como de as acrecetar com virtuosos & memoraueis feitos, Cõ ex- presso cuidado fazer registar as armas de suas nobrezas nos liuros dos reis delias perfeita- mete: requerendolhes fezessem as aruores de suas genologias, Satisfazendo os segundo seu regimento, Parece Que por se nom fazer nestes Reinos como conuinha, Cayo em tantanto esquecimento esta deuida lembrança & ta se ella viera a vsar delias. HQs que inorando as diminuyam Outros Que ressabendo as acrecetauã Outros Que com proueza frouxidade : ou cruel ventura as desemparauam que se ELREY vosso padre Que ds tem o nõ oulhara: aquerindo pêra si o despacho Que dantes era nos reis darmas: encarregandosse disso como de cousa sua, Nom fora muito elles delias ficarem alheyos, E buscadas per seu mandado: em liuros sepulturas edeficios e lugares em q se achauam, Delias & as dos REIS cristãos mouros & getios o LIVRO gramde ouue copea, Per cima disso tomada enformaçam dalgus officiaes darmas Que has cortes do EMPERADOR . REY de frãça Castella Ingraterra êuyou ver o Que se la costumaua Achou ser necessareo corregerêse muitas Que desconcertadas: polia corruçam do longo tempo erao & cõuinha darese timbres a todas : por serem ia per- didos & se nõ acharem. Cuia mingoa & defeito. S A. Querendo prouer (Que ao REY conuem dar o timbre & nõ o que cada hum Quer tomar como algus cuidam, lhes deu os mais no- bres Que se dar podiam mãdandoas aqui asentar em toda perfeiçam per suas antiguidades & como no dicto liuro se achara, Acrecetando antes ê muitas cousas Que minguado algua, Guardando as insines regras polia seguinte maneira. Sam os chefes das linhagés obrigados a trazer as armas dereilas Asi como foram dadas ao primeiro Que as ganhou & os outros CÕ as deferenças Que seus grãos requerem, Que o ai seria desordem & baxeza daquelle Que honrar se quisesse de honra nõ sua, Antes deuia ter aquella vergonha Que diz PLÍNIO no capitolo da honra da pintura terem os romãos Que socediam as casas dos passados em Que ficauam suas armas sobollas portas. Por entrarem cada dia No trunfo Aheyo, E auer por mais Qualquer menos scudo seu Que outro Que se contradiz, Demaneira q esta regra quis se guardasse primeiramente antre os senhores IFANTES vossos irmãos: segundo pellos labeos se mostra, Mudarãlhe os timbres: porq despois de .S. A. ter vistos os liuros & pa- recer de seus reis darmas, Ouue porbem o tíbre real se nom trazer sem mudança. Posto Que rias outras linhagés assi nõ fosse, E os Que traziam armas reaes squarteladas: trou- uessê suas bastardias, Querêdo o ainda scusarse nã se achara q nos REIS se nõ purgauam, Nê o esquartelado bastaua pêra deferêça, A regra dos outros timbres he tirarêse dos scudos, avedo nelles cousas de q se possa fazer: ou darêlhos daigúas cõformes aos apelidos & assi se fez a todallas armas, per outra regra Que manda nÕ trazer metal sobre metal nê cor sobre cor: se vereficaram muitas Que falsas handauam : podendosse presumir nom serem verda-
VOL. I 3
1 8 Brasões
As primeiras investigações acerca dos brasões dos nobres portugueses foram feitas no reino pelos reis de armas João Rodrigues e António Rodrigues,
déiras, Também avia no liuro algúas : Que separados scudos de húa maneira seruiam três & quatro linhagês como sã, Silueiras, Pestanas, Leitões, Coutinhos, Fonsecas, Tauares & outros, sobre as quaes ouue oupenyam Que as deferençassem. Pêra cada huas serem per si conhecidas. E achandosse as taes linhagês procederem hilas doutras. Nos timbres somente se diuidiram pello modo já dicto. Outras auia Que nií soo scudo se nomeauam duas linhagês. Assi mesmo foram apartadas. As nouas que se acharem cõ elmos abertos vam per modo dantiguidade : poUo liuro se fa^er pêra muito tempo & irem nomeadas nos decendentes dos que as ganharam. Os quaes ate o quarto grão as nom pode fora delle assi trazer. Em todos os outros brasões os elmos se abriram. Que sendo as linhagês mui antigas estauam çarrados. Fezeramse oito scudos en cada folha como estam no grande do meyo por diante, polia or- dem e que o começo hia demandar demasiada altura & conuinha ser manual & portátil, pêra com elle. S. A. despachar as armas & se lembrar das linhagês & o ter por registo delias. Outras muitas cousas se emendarão Que seria dilatoso dezeremse. E por este liuro nÕ ser ainda acabado Quando ds leuou ELREI .VA. nom esquecido de dar fim has cousas per elle começadas, o mandou acabar. E có elle nÕ ousaram algús fazer confusam cõ os apellidos Que as gentes do pouo costumam tomar ou poer per desdém hús a outros. E despois pedem ar- mas & as ham indiuidamcte. E em .V. A. oulhar por tal deuassidade: faz mercê aos grandes & fidalgos & nÕ pouca iustiça. Que a honra Que hus ganharam per uirtudes grandes ser- uiços & acrecentameto dos reinos. Iniusta cousa he outros per engano a auerem com gram preiuizo de pouo Que na sogeiçam dos pedidos fica, Nem teram rezam de se agrauauar aquelles Que teuerem armas mal auidas ou as quiserem aver: pois he cousa tam notorea .V. A. averse mui liberalmete nisso Nobilitando muitas pessoas com singulares armas & com outros nõ husando riguroso exsame : por naturalmente auer na condiçam de V. A. esta ex- celência aliem das outras em que também nom som dino fallar, Folgar de dar honra a toda pessoa Que lha pede & a merece, Como se manifesta pellos grandes de seus reinos Que fez mayores, Fez muitos perlados [e] Condes & muitos fidalgos do conselho, & a outros deu o dõ & a muitas molheres, Fazendo de muitos caualeiros fidalgos & de piaes caualeiros Hõ- rando com aueto de nosso senhor lESV CHRISTO Grande numero de pessoas. Nunca do- uidou acrecentar A caualeiros & escudeiros. Nom somente aquelles a que uinha per foro : mas aos que em outros tempos se nom costumaua fazer, Pois Quem vir os liuros das mo- radias & tenças Que tem dadas com os passados: ficara mui espantado de tanta nobreza, E os filhamentos sem moradias a que fim foram senam ter gosto de honrar pessoas. Digam os theologos Canonistas legistas : outros leterados & studantes Quanta honra & mercê oneram por nobilitar com isso os pouos, Confessem as Cidades seus acrecentamêtos, E as villas Quatas delias fez cidades & outras notaueis, E as aldeãs Quantas delias fez villas, Pois os edeficios nom se podem negar suas manificencias & que nõ vimos restauradas as vitruicas n:^edidas q de tantos annos a esta parte por nÕ auer tanta grandeza de ânimos Que as con- seruassem pereceram, Nom negaram as ilhas & terras de seus senhorios quam nobilitadas de perlados e sees com dinidades & moesteiros sam & de outros preuilegios, priuilegiando no defender das sedas pessoas despriueligiadas pêra que honradamente & como caualeiros podessem viuer, Lembrouse da nobreza dos estrangeiros ê seus reinos moradores mandando saber & asentar suas armas, Procurando acrarar algúas linhagês escuras e as ter: por se nom acharem nos liuros nem delias auer pessoas conhecidas, Nom ouso tocar em suas mayores grandezas temendo o prouerbio de APELES Ne super crepidã sutor iudicaret. E bem sei
Preâtnbulo
19
entre os anos de 1496 e 1609, e delas o produto hoje existente foi o Livro do Amieiro mor.
Feito este, mandou D. Manuel alguns oficiais de armas às cortes do Im- perador e dos Reis de França, Castela e Inglaterra, a tomarem informações respectivas ao seu ofício, nessas cortes posto em estado de grande perfeição. Voltando os oficiais reconheceram-se graves imperfeições no livro de António Rodrigues e viu-se a necessidade de ser emendado e ampliado. Encarregou então disso el Rei a António Godinho. Acrescentou ele os timbres aos bra- sões, seguindo o exemplo alemão e inglês e despresando o francês e o cas- telhano; e emendou muitos deles com infracções às regras da armaria ilumi- nados no precedente trabalho, mas ainda deixou escapar alguns erros, poucos, dos mais intoleráveis porém, os de metal sobre metal. Haja vista nas armas dos Eças, um cordão de oiro sobre campo de prata, e nas dos Albergarias, a bordadura de prata, sendo o campo do mesmo metal.
Começou António Godinho o seu livro ainda no reinado de D. Manuel, portanto ainda antes de 1 3 de Dezembro de i52i; e findou-o depois do ano de i528, antes porém de 16 de Setembro de 1541. Chego a esta conclusão pelo exame dos brasões lá pintados.
Há folhas às quais posso precisar bastante o tempo em que foram ilumi- nadas. São elas a sétima no verso e toda a oitava. Esta parte foi feita entre os dias 9 de Setembro de 1 5 16 e 7 de Março de iSiy. Na folha oi- tava vêem-se as armas do infante D. António, nascido na primeira data apon- tada; na outra folha as da rainha D. Maria, falecida no segundo dia marcado. Não pode pois haver dúvida; continuarei porém com o que diz respeito ao livro em geral. .
Na folha 41 encontram-se as armas de Cristóvão Leitão, e conhece-se ha- verem sido desenhadas e pintadas pela mesma mão que fez o resto do livro.
que VOSSA ALTEZA posto que com verdadeira speculaçam sinta & enda as cousas de scientia & arte, A muita grandeza sua lhe faz dissimular a fraqueza dos engenhos daquelles Que o seruem nellas. Mas por esta obra ser cousa Que se ha de mostrar & o tachar he fácil & o fazer difícil, f íumilmete lhe peço que lembrandolhe alguém os defeitos delia : se lembre Que ainda se nõ vio pintura perfeita ne em outras artes Quem e tudo acertasse. Nem duuido aver pessoas a que pareça mal os liões agueas & outras figuras nõ serem postas ao uiiio, Mas a arte das armas he pintarense con ferocidade sobre natural. Grandes nembros bocas unhas & corpos delgadçs estendidas ha feiçam dos scudos terços quartos & outras repar- tições Que desacompanhadas parecerim mal & pior as figuras encolhidas. Cuia pintura aqui escusa pintarêse per palauras propias & naturaes, E como as armas seiam sinaes de uirtu- des, sam obrigados os nobres husar do que os liões serpes aues & outras feras ou mansas & os metaes & cores delias seneficam, Daqual Arte, Por ELREY Que ds tem Ter gosto de se seruir de ml Procurei saber o que pude & neste liuro fiz o que bastaua Posto Que nom fezesse o Que se poderá fazer Se as outras em que de contino Seruia Me deram Lugar.»
20 Brasões
Ora àquele Cristóvão Leitão, que foi coronel e capitão dos alabardeiros, deram-se armas por duas cartas de brasão, uma de 21 de Abril de 1624, a outra de 3o de Junho de i528 (i). As concedidas pela primeira carta foram bastante modificadas pela segunda e, conformes com as desta, estão elas no livro de António Godinho; logo, este ainda não estava concluído em i528.
No verso da mesma folha estão as armas de Jorge Dias Cabral, as quais, em virtude da ordem cronológica adoptada por António Godinho, segundo ele próprio declara, haviam de ter sido confirmadas depois de concedidas as de Cristóvão Leitão, e digo confirmadas, porque consta haverem elas sido dadas por Carlos V. Não existe contudo a carta de confirmação, e portanto não posso aproximar mais a data da conclusão do livro.
Na folha 42 deste vêem-se as armas de Gaspar Gonçalves de Ribafria, pintadas e desenhadas porem por mão muito mais inábil, certamente não a do exímio artista que havia feito o resto. A carta de brasão de Gaspar Gon- çalves foi passada em 16 de Setembro de i54i (2); logo, a esse tempo já o livro estava concluído e entregue na Torre do Tombo.
E não o deram por findo só então, segundo creio, antes me parece que, pouco depois de pintar as armas de Cristóvão Leitão em i528, deu António Godinho a sua tarefa por acabada. Vou apresentar as minhas razoes.
De brasões de famílias, registados na Torre do Tombo anteriormente a 3o de Junho de i528, omitem-se no livro de António Godinho os dos Guan- tes, Cáceres, Frades, Garceses, Spínolas, Lombardos, Amadores, Tangeres, Saccides, Loronhas, Beringéis, e la Penhas: doze ao todo.
Dos registados no mesmo Arquivo, entre a precedente data e a de 16 de Setembro de 1541, faltam: Búzio, Pegado, Calheiros, Imperial, Altero, Ar- nau, Accioli, Padilha, Rios, Cisneiros, Badajoz, Maciel, Mariz, Figueiroa, Pó, Segurado, Varela, Gago, Espargosa, Zagaio, Calema, Landim, Maldo- nado, Alfaro, Valdês, Viegas, Couto, Drumond, Proença, Chanoca, Pavia, Seixas, Corelha, Carvalhal Bemfeito, Gacoto, Vilanova, Caminha, César, Barêm, Esteves e Palhavan: quarenta e um ao todo.
E realmente pouco explicável a omissão dos doze do primeiro grupo, confesso-o; mas, para a dos outros quarenta e um do segundo grupo, muito mais numerosos em um período muito mais curto, há a explicação do livro estar já abandonado pelo seu autor. Tanto mais, que neste segundo grupo encontram-se nada menos de quatro concessões de armas novas: Espargosa, em 3 de Novembro de i533. Couto, em 28 de Março de i536. Carvalhal Bemfeito, em 27 de Setembro de i537, e Vilanova, em 3 de Fevereiro de
(i) Armaria portuguesa, págs. 260 e 261. (2) Ibidem, pág. 438.
Preâmbulo 2 1
i538(i); e três acrescentamentos a armas antigas: Çacoto, em 19 de Julho de i538, Gesar, em 22 de Julho de ib3g e Barêm, em 14 de Janeiro de 1540 (2).
Não há dúvida que António Godinho podia ter posto todas estas armas no seu livro, porque ele sobreviveu muitos anos ainda às datas apontadas, como veremos.
Depois de dada a sua tarefa por finda, foi António Godinho por várias vezes nomeado pelo rei para servir de inquiridor na prova apresentada pelos suplicantes afim de se lhes concederem brasões. Encontro-o em i538, a 9 de Abril, em 1642, a 3i de Agosto, em 1644, a 9 de Novembro, em 1648, a 5 de Junho, 17 de Agosto, 12 e 18 de Novembro, em 1549, a 9 de Julho, em i5õo, a 4 de Janeiro e 7 de Outubro, e finalmente a 23 de Junho de i553(3).
Nestes documentos é umas vezes intitulado escrivão da corte, outras es- crivão da câmara, e outras escrivão da câmara e do desembargo do paço.
António Godinho ainda viveu mais alguns anos, pois que por carta de 8 de Janeiro de ibb'] lhe foi concedido ter um ajudante para lhe escrever as cartas e provisões, sendo ele a esse tempo cava<leiro fidalgo da casa dei Rei, seu escrivão da câmara, e escrivão d' ante os desembargadores do paço (4). Esta carta também serve para mostrar que António Godinho, pelo facto de ter sido nomeado em 1544 escrivão do desembargo do paço, não deixou de ser escrivão da câmara dei Rei, como supôs o Visconde de Jurornenha, tirando d'aqui a conclusão de que o livro havia de estar acabado antes do despacho (5); e estava com efeito, mas por outro motivo, como deixei dito.
Todo este estirado aranzel sobre os livros das armas parecerá ao leitor não vir a propósito da sala dos brasões no paço de Sintra; pois parece-me que vem, e verá.
Aquela sala foi também mandada fazer por D. Manuel. Di-lo o seu ci- tado cronista, e não duvido que el Rei tivesse para esse fim aproveitado a
(1) Armaria portuguesa, págs. i8i, i66, 122 e 546.
(2) Ibidem, págs. 447, i36 e i55.
(3) Chancelaria de D. João 111, Doações, liv. 44.°, fl. 46, liv. 32.% fl. 74 v., liv. 35."», fl. 24; Privilégios, liv. 2.°, fl. òo v., 35, Sy, 6i e 22.2, liv. 4.°, fl. 4 e i3i v., e liv. i.°, fl. 341 v.
(4) Ibidem, liv. 5.° de Privilégios, fl. 172 v. — António Godinho alcançou de Pero da Lágia o traspasse do ofício de escrivão do Desembargo do Paço, em que este havia sido provido bastantes anos antes. Teve depois licença, confirmando a renúncia, e disto se pôs uma verba em 24 de Julho de 1544 no liv. 8.° de Doações, da Chancelaria de D. João III, fl. 120.
(5) Raczynski, Dictionnaire histórico- ar tistique du Portugal, pág. ii3.
22 Brasões
torre Já existente, tomando para norma, relativamente aos brasões, algum dos livros de armas também por êle ordenados. Advertirei contudo, que, tendo as armas lá pintadas todas timbres, já não serviu de guia para a sua pintura o livro de António Rodrigues, pois os não tem, mas sim o de António Godinho, principalmente mandado fazer para lhos assinalar. Digo isto por- que evidentemente a um destes livros se foi buscar a ordem por que os bra- sões foram dependurados do colo dos veados. Vou prová-lo.
O segundo livro, traz os brasões pela mesma ordem do primeiro, com fundamentada razão excluído pelo motivo indicado, e começa as armas das linhagens pelas dos Noronhas, continuando com as dos Coutinhos, Castros, Ataides, etc, até Castelos Brancos, em que completou vinte e seis brasões. Na sala de Sintra, começando-se em Noronhas, seguem-se Coutinhos, Cas- tros, Ataides, etc, até Castelos Brancos cujas armas estão no vigésimo sexto veado. D'aqui para diante há algumas pequenas variantes, que dão apenas por diferença faltarem na sala sete brasões dos setenta e dois primeiros do livro de António Godinho. Não se vêem em Sintra os das famílias de Re- sende, Moniz, Silveira, Falcão, Pedrosa, Bairros e Sem; e no lugar destes estão os dos Carvalhos, Gamas do Conde da Vidigueira, Gouveias, Lobatos, Pestanas e Valentes, todos debuxados no livro nas folhas próximas, excep- tuando as armas dos Carvalhos, as quais estão lá mais para o fim.
Tenho ouvido dizer, e até lido, que foi o Marquês de Pombal, quem, avantajando as armas dos Carvalhos, as mandou pintar na sala de Sintra, e podia pelo facto apontado parecer que esta tradição tinha fundamento; mas não o tem, porque já em livro impresso em i655, relacionando-se as armas daquela sala, se nomeiam as dos Carvalhos (i).
Vê-se pois por todo o exposto, que a pintura do tecto da sala das armas, tendo sido mandada fazer por D. Manuel, foi contemporânea do começo do livro de António Godinho, pelo mesmo Rei ordenado, já parte feito antes do seu falecimento, e que para os brasões dos veados serviu de guia e mo- delo.
Posso mesmo dar a certeza de haver sido pintado o tecto entre os anos de i5i5 e i520, porque lá se encontram as armas do infante D. Duarte, nas-
(i) Severim de Faria, Noticias de Portugal, na primeira edição impressa em Lisboa em i65f', pág. 117. — É verdade que este autor enche de erros a sua relação dos brasões da sala dos veados, e isso tira alguma autoridade ao seu dito, confesso. Corneça êle por afirmar serem setenta e quatro os brasões, quando são só setenta e dois; em seguida inclui na lista os dos Lobeiras, e Ribafrias, que não estão lá, e ao dos Pestanas, que lá está, chama Silvei- ras. O curioso é terem todos os autores meus conhecidos, que até hoje se têem referido às armas de Sintra, cometido exactamente os mesmos erros.
Preâmbulo 23
eido em 7 de Setembro do primeiro daqueles anos, e não se encontram as do infante D. Carlos nascido a 18 de Fevereiro de i52o, e a quem- seu pai apenas oito meses sobreviveu. Se eu soubesse a data da morte do infante D. António, nascido a 9 de Setembro de i5i6 e falecido com pouco tempo de vida, ainda melhor poderia precisar a ocasião em que a pintura da sala se fez, pois que não se vendo lá as armas daquele Infante, foi decerto a obra começada depois da sua morte. Eu para mim até julgo, não sei se com grande fundamento, que a obra já foi feita depois de 7 de Março de i5i7, dia da morte da rainha D. Maria; porque, tendo-lhe D. Manuel sido tam de- dicado e tendo António Godinho pintado as suas armas no Livro da Torre do Tombo, não posso acreditar que el Rei deixasse de mandar pôr o brasão da sua Rainha naquele tecto, onde quis ser representado rodeado por todos os seus. Para mim é pois de fé que a pintura do tecto, pelo menos a da cúpula, foi feita no ano de i5i7 a i5i8, entre a segunda viuvez de D. Ma- nuel e o seu último casamento.
Dir-me-hão que, tendo servido de guia o livro de António Godinho, deve- riam as armas da sala ser perfeitamente iguais às daquele, e isso não sucede. Eu, concordando, lembrarei porem as restaurações, praga de que as belas artes teem sido vítimas entre nós, e em toda a parte, mais ou menos. Cons- ta-me de uma em tempos de D. Pedro II (i), e houve ainda mais outra depois do terremoto de 1735, muito sensível em Sintra. Se não fossem estes res- tauros, como se exphcaria, nas tam conhecidas e sabidas armas dos Castros de seis arruelas, estarem os esmaltes trocados, e em vez do campo ser de prata e os móveis de azul, aparecer-nos aquele de azul e estes de prata, trans- formando as tam nomeadas arruelas em besantes? Assim como existe esta diferença, tam grande e tam inexplicável, se não fossem os restauros, por que não hão de existir outras bem menos notáveis?
Fique pois assente, salvo melhor juízo, que a pintura do tecto da sala dos veados foi começada pelos anos de i5i5, o mais cedo, e terminada antes de i52o, o mais tardar.
Pouco posso acrescentar ao já sabido acerca dos artistas e artífices que trabalharam por esses tempos nos paços de Sintra. Ainda assim direi o pouco mais colhido em documentos, pois que o meu único fim não é alardear o que não tenho, mas pôr o pouquíssimo que possuo à disposição dos estu- diosos.
(i) Esta restauração foi confiada ao cuidado do 3.° conde de Soure, D. João José da Costa, por ser o provedor das obras do paço. — Vide Sousa, Historia genealógica, tom. I, pág. ccn.
24 Brasões
Existiu em Sintra um pintor, que o foi dei Rei, e se chamou Lourenço Martins. Encontrei o nome dele, com a classificação de pintor somente, em I de Janeiro de 1480, em um instrumento de composição celebrado entre Luís Anes do Quintal, e a confraria* dos Fiéis de Deus erecta na igreja de S. Martinho daquela vila, irmandade de que Lourenço Martins era confrade. Reinava então D. João L Com a mesma classificação me aparece êle num documento de 27 de Abril de 1487, o qual me revelou ser o pintor então um dos dois homens bons da vereação da vila de Sintra (i). Em 1446, na me- noridade de D. Afonso V, era Lourenço Martins pintor dei Rei, e na quali- dade de confrade da referida confraria é nomeado num instrumento de em- prasamento de 6 de Janeiro. Depois, nas vésperas da desgraça da Alfarro- beira, em 14 de Abril de 1449, outorga Lourenço Martins, pintor dei Rei e então juiz da referida irmandade juntamente com Rui Mendes, em uma es- critura de emprasamento. Nesse mesmo ano, logo depois, a 22 de Junho, conservando a vara de juiz, mas agora segundado por Nuno Alvares Mal- rassoa, encontro pela última vez Lourenço Martins, «pynlor delrey», numa escritura de doação (2). E mais nada sei dele, senão que, em 16 de Dezem- bro de 1449, concedeu D. Afonso V ao «nosso pintor Lourenço Martins, mo- rador em Sintra», carta de isenção de encargos, servidões e contribuições do concelho, carta de privilégios de libertado, como então lhe chamavam, a qual «Ruy Galvam fez escprever» (3).
Do já por outros nomeado pintor Gonçalo Gomes (4) sei, que vivia e pros- perava no ano de i5o4, no qual, a 27 de Maio, em Sintra, nas casas do ta- belião João de Guimarães, comparecendo os juízes e vereaderes em câmara, comprou êle, Gonçalo Gomes, que presente se achou, pintor e morador que então era em Sintra, por mil reais brancos, moeda ora corrente, a Duarte Fernandes Ferreira, morador em Óbidos, e a sua mulher, um pardieiro a par do hospital, que partia do aguião (norte) com Inês Martins, do suão (nas-
(i) Em 1437 a 27 de Abril perante Lourenço Martins, do Arrabalde, e Pedro Anes, juí- zes, Diogo Afonso de Abreu, João Vasques Raposo, e Fernão Martins, vereadores, Nun'Al- vares Malrassoa, procurador, e João Liai, do Arrabalde, e Lourenço Martins Pintor, homens bons da vereação, compareceu Diogo Afonso, provador do hospital e gafaria, etc. — Per- gaminhos da Misericórdia de Sintra por mim examinados em i885,
(2) Pergaminhos da confraria dos Fiéis de Deus, depois das Almas, existentes no car- tório da igreja de S. Martinho de Sintra, onde os examinei, fazendo deles extractos, em iSSS-.
(3) Sousa Viterbo, Noticia de alguns pintores, I, 112.
(4) D. Manuel, sendo ainda apenas duque de Beja, por alvará de 6 de Dezembro de 1489' tomou por seu pintor e em sua especial guarda e encomenda a Gonçalo Gomes, morador em Lisboa, ao qual, sendo já rei, confirmou o referido alvará por carta de i3 de Fevereiro de 1496 (Sousa Viterbo, Noticia de alguns pintores, I, 184).
Preâmbulo 25
cente) com casa do Cosayro (Rodrigo Anes) e da travessa (poente) e abreguo (sul) com rua pública (i).
Depois encontro-o a trabalhar em obras no paço nos anos de 1607 e i5o8, ganhando sessenta reais por dia. No primeiro daqueles anos trabalhou vinte dias, desde 22 de Fevereiro até 27 de Março. Ocupou-se em doirar e re- novar pinturas das câmaras e casas «que se dana cõ a homidade». Foi nestes misteres ajudado pelo seu criado Johane, cujo jornal era de quarenta reais (2).
No ano seguinte, o de i5o8, andou Gonçalo Gomes cinquenta e três dias nas obras do paço de Sintra, desde 6 de Março até 21 de Agosto (3). Teve por ajudantes, alem do seu referido criado Johane, a Diogo Gomes (4) e a Pêro Fernandes, que também ganhavam a cinquenta reais e começaram a trabalhar, um a 17 e o outro a 24 de Julho, terminando ambos a 21 de Agosto. Não se especificam as obras; de uma verba porem consta terem sido em grande parte na capela (5).
O Almoxarife pagou, em 29 de Novembro de i5o8, a Afonso Alvares, bate-fôlha, de oiro batido >pera se dourar a capella e asy pêra renovar as . pinturas dos paços», cinco mil duzentos e cinquenta reais por mil e quinhen- tos pães de três reais e meio cada um, e deles fez logo entrega a Gonçalo Gomes, pintor (6).
(1) Pergaminhos da Misericórdia, citados.
(2) L.o truncado da receita e despesa de André Gonsalves anno de 1S08. — Annario 26 do interior da Casa da Coroa. — Maço único. Tal é o título escrito num pedaço de papel colado na velha e traçada capa de um interessante, mas muito falho e deteriorado livro de contas daquele almoxarife de Sintra, a quem lá adiante especialmente me referirei. Não são as folhas do livro numeradas e por isso não as posso citar, mas o que dele disser é porque lá está. A letra é detestável, e bem posso e devo aqui agradecer aos muito dignos e amá- veis empregados da Torre do Tombo, José Manuel da Costa Basto, director, Albano Alfredo de Almeida Caldeira, conservador, ambos já hoje falecidos, e Pedro Augusto de S.Bartolo- meu Azevedo, oficial, actualmente primeiro conservador, a paciência e bondade com que me téem guiado e auxiliado nas minhas buscas e leituras.
Este L.o truncado fê-lo o Conde de Sabugosa imprimir em apêndice à sua obra O Paço de Cintra, de pág. 221 a 243, encontrando-se a matéria apontada no texto na pág. 22Ó. D'ora avante citarei as páginas desta reprodução.
(3) Cit. Livro de André Gonsalves, pág. 233.
(4) D. Manuel, por carta de i de Junho de i5i3, fez mercê a Diogo Gomes, pintor, mo- rador em Sintra, de 4.000 reais de tença em sua vida, com obrigação de residir na vila, e de «fazer e correger nos paços dela quallquer cousa que for necesaria de seu oficio que nõ seya de calidade que gaste hum dia imteiro por que semdo pagarlheam seu jornall e nom o semdo nom lhe pagaram nada» (Sousa Viterbo, Noticia de alguns pintores, I, 81).
(5) Cit. Livro de André Gonsalves, pág. 234.
(6) Ibidem, pág. 282.
VOL. I 4
20 Brasões
Além deste oiro recebeu o mesmo pintor para as referidas obras: nove arráteis' de vermelhão, a sessenta reais arrátel; quatro arráteis de alvaiade, a trinta reais; dezassete arráteis de óleo, a trinta reais; meio arrátel de azul por cem reais; dez arráteis de roxo-terra, a quarenta reais; três arráteis e meio de zarcão, a trinta e cinco reais; seis arráteis de ocre, a trinta reais e mais oitenta reais de grude e gesso (i).
Importaram os materiais em quarenta e sete mil trezentos e dois reais e meio, a mão de obra, em seis mil setecentos e setenta e cinco reais; gas- tou-se portanto, em ibo8, em pinturas no paço de Sintra a boa conta para o tempo de cinquenta e quatro mil e setenta e sete reais e meio (2).
Faltam muitas folhas no livro a que me vou socorrendo, e só lá encontrei contas do ano de i5io, nessas porem já não vejo nomeado a Gonçalo Gomes? apesar de terem continuado as pinturas na capela, para as quais se comprou oiro batido, ao mesmo preço mencionado, na importância de vinte e quatro mil e quinhentos reais, e mjais seiscentos pães de prata, ao preço de real e meio cada um (3). Aparece contudo nomeado pintor Pêro Rodrigues, cuja soldada era inferior em dez reais à do outro. Trabalhou Pêro nove dias, rapando a borda do guarda-roupa da Rainha, obra começada em i de Abril e para a qual lhe forneceram um pouco de roxo-terra, verde montanha e grude, importando tudo em cento e cinquenta reais (4).
João Rodrigues, pedreiro, foi nomeado mestre das obras do paço de Sin- tra em sucessão a seu pai, ora finado, por carta de 17 de Julho de 1490, com quatro mil reais de tença anual para mantimento, a começar do princípio daquele ano (5). O pai, e antigo mestre das obras dos paços de Sintra, cha- mava-se Martim Rodrigues e desfrutara, desde o i.° de Janeiro de 1476, uma tença igual à do filho (6).
Deste João Rodrigues, a quem talvez com exagero se tem chamado ar- quitecto, encontrei a seguinte memória. Em i5o3, no dia 29 de Julho, em Sintra, na casa do Santo Espírito, onde ao tempo se fazia a vereação, es- tando aí os mui>o honrados juiz ordinário e procurador, a saber: Francisco de Monterroio, fidalgo da casa dei Rei e juiz ordinário, Diogo Barbudo, Ál-
(i) Cit. Livro de André Gonsalves, pág. 234.
(2) Ibidem, pág. 282, 233, 234. — A quantia dos 54.077 rs. despendida nas obras de pin- tura correspondia, na moeda anterior à guerra, a 202.837 '"^-i com o valor aquisitivo de 1.014:185 rs., segundo as tabelas de Gosta Lobo na Hi^t. da Sociedade etn Portugal.
(3) Cit. Livro de André Gmsalves, pág. 241.
(4) Ibidem, pág. 242.
(5) Chancelaria de D. João II, liv. 9.", fl. 3o.
(6) Carta de 7 de Março de 1476, dada em Toro a Martim Rodrigues, «meestre das obras de Sintra» (Sousa Viterbo, Dicc. dos Architectos, II, 402).
Preâmbulo 27
varo de Quadros e João Lopes, escudeiros e vereadores, e Estêvão Rodri- gues, escudeiro e procurador do concelho, fazendo vereação, perante Pêro Dias, escudeiro e tabelião pela rainha D. Leonor, fizeram emprasamento a Duarte Fernandes de um pardieiro a par do hospital, com a condição de fazer no dito pardieiro uma casa, a qual êle e seus sucessores mantenham sempre como casa. Estando já a arrematação feita, mandaram comparecer João Rodrigues, pedreiro, mestre das obras dos paços dei Rei, a fim de ir medir o tal pardieiro (i).
Em i5o8 João Rodrigues, mestre, serviu pelo seu ofício de pedreiro nas obras do paço, ganhando sessenta reais diários. Trabalhou cento e qua- renta e sete dias, e depois mais oito, no cerco dos coelhos, nos canos da água da escada dei Rei e da Rainha, na estrebaria de Meca e em outras obras, ajudado por mais pedreiros, que ganhavam menor jornal, e por vá- rios braceiros (2). Em i5io também trabalhou de pedreiro, mas só qua- renta e três dias, ocupado em escolher telha nos fornos, em fazer betume para os canos de chumbo, em correger a parede dos canos da água junto com a casa de João de Guimarães, e noutros serviços (3). Em i526, já velho e aleijado, foi aposentado e para o substituir nomeou el Rei, por carta de 14 de Maio, mestre dos canos dos paços de Sintra a seu cunhado Marcos Fernandes (4).
O mestre da carpintaria, João Cordeiro, nomeado, com mil e quinhentos reais de mantimento anual, por carta de D. João II de 3 de Março de 1486, confirmada por D. Manuel em 29 de Julho de 1497 (5), trabalhou nas obras do ano de i5o8, ganhando de jornal sessenta reais por dia. Primeiro esteve cinquenta e um dias assoalhando as sobrelojas do aposentamento dos Infan- tes, corregendo e repairando sobrados e outros serviços desta espécie; depois passou a estar quarenta e sete dias entretido a fazer rosas, estrelas e rezim- bros para a capela (6). Em i3io trabalhou cinquenta e seis dias, ainda nas rosas e estrelas para a capela (7), e deveria ter sido para o tecto, onde elas ainda hoje se vêem. Tinha sempre outros carpinteiros às suas ordens, tendo sido as obras deste ano nas grades da çoteia do sol, na casa da fazenda, na qual se fizeram repartimentos, no alpendre da entrada do aposentamento das
(1) Pergaminhos da Misericórdia citados.
(2) Cit. Livro de André Gonsalves, pág. 236.
(3) Ibidem^ pág. 242.
(4) Sousa Viterbo, Dicc. dos Architectos, I, 335.
(5) Ibidem, pág. 222.
(6) Cit. Livro de André Gonsalves, pág. 234.
(7) Ibidem, pág. 241.
28 Brasões
Infantas, na távola da casa das sisas, em almários na mesma, e no banco da távola, «em que se ,ha de sentar o juiz e esprivam» (i).
Na conta das obras de i5o7 há uma verba por onde se pagaram a Pero de Torres, pedreiro, por três mil e quinhentos reais cada uma^ duas janelas de pedraria, «que arrymquou e castou e acarretou e lavrou e asentou na casa da fazédá» (2). Das obras de Nossa Senhora da Pena mandadas por Diogo Barbudo, veador delas, vieram dez mil cento e quarenta e seis peças de «azulejo de toda sorte»; e de Belém remeteram cento e trinta e sete seiras dele, em sessenta e oito e meia cargas, a quarenta reais cada uma (3).
Bastante posterior a estes mestres nomeados encontro um outro mestre das obras dos paços dei Rei na vila de Sintra. Foi ele António de Morais, e está sepultado na igreja de Santa Maria, no pavimento, em frente do altar mor, com este letreiro, que se não pode reproduzir exactamente como foi gravado por causa das letras conjugadas:
AQVI IAS ANTO DE xMORA IS MESTRE DAS OBRAS DE SVA MAGt^E DOS PAÇOS DE STA VILLA PER CVIA AL MA SE DIRÁ NESTA IGRA P ERA SÈPRE HVA MISSA REZADA FALCO i qVTbRO ERA DE 1589.
A QVAL S.a HE DE SVA F.a BRE ATIS DE MORAIS Q ELLA GÕ PROV CÕ LÇA DO ORDINAIRO E QER SE NÃO ENTERRE MAIS PESOA ALGVA.
António de Morais viveu em Sintra casado com Isabel Garcia, de quem teve filhos baptizados a i3 de Dezembro de iSõy, 11 de Julho de iSyS, e 25 de Março de 1 575, sendo esta última a Beatriz nomeada no epitáfio (4). Nos assentos de baptismo é o pai declarado por pedreiro. A filha Beatriz casou, em 19 de Novembro de 1699, com Francisco Rodrigues, natural de Lisboa (5), e morreu a 7 de Dezembro de i65i, sendo yiúva, moradora no
(i) Git. Livro de André Gonsalves^ pág. 241 e 242.
(2) Ibidem, pág. 226.
(3) Ibidem, pág. 222 e 229.
(4) Livro reformado da freguesia de Santa Maria de Sintra, fl. 12, 16 e 18.
(5) Ibidem, fl. 161 v.
Preâmbulo 29
Arrabalde, e indo a enterrar à sua cova «que tem uma campa com seu le- treiro junto aos bancos» (i).
Mais deveria dizer sobre as obras e artistas no paço de Sintra, mas tenho apontamentos muito sucintos, e não desejo demorar a publicação deste vo- lume. Para o segundo, se me deixar a «priguiça priguiçosa» de que um amigo me acusa (2), irá uma nota mais particularizada, na qual, depois de estudado o assunto, direi o que tiver aprendido. Isto escrevia em 1899 e agora, nesta segunda edição, pouco acrescentei, nem pagaria a pena manter o propósito, depois dá publicação do Diccionario dos Architectos do meu fa- lecido amigo e benemérito investigador e publicador de excelente material para a história pátria, o dr. Sousa Viterbo.
Não posso pòrêm calar a satisfação com que, neste sítio, no princípio de um livro destinado exclusivamente, segundo parece, a comemorar grandezas, pompas, vaidades humanas, nomeei estes modestos filhos do tam bom, tam sofredor, tam caridoso povo português, ao qual tantos laços de sangue me prendem (3). Porque ele é realmente bom no íntimo, no fundo da sua alma, e dificilmente o desvairam; é sofredor e companheiro, e assim se tem mos- trado desde as Navas de Tolosa, passando pela guerra da Península, até nossos dias, em África combatendo o gentio e o clima, no reino aturando tudo que para aí se vê. Mas a sua grande, a sua incomparável virtude é a caridade. Quem lida com êle no campo, quem o vê repartir o pedaço de pão com o faminto, quem o vê abrigar no pardieiro o vagabundo, quem o vê largar um farrapo que ainda assim veste o nú, é que percebe a verdadeira
(i) Livro reformado da freguesia de Santa Maria de Sititra, fl. 170.
(2) Dr. Xavier da Cunha, Impressões Deslandesianas, vol. I, pág. 347. — Mais um amigo que já lá vai! Morreu em 1 1 de Janeiro deste ano de 1920, poucos dias depois de me ter enviado um exemplar da sua última obra, Homenagem posthmna ao Visconde Júlio de Cas- tilho.
(3) Meu bisavó não digo, mas meu terceiro avô, guiando com uma das mãos o arado, e com a outra tangendo os seus bois, muita terra de feracíssimo campo do Reguengo de Alviela virou. Isto pelo lado paterno, porque pelo materno vejo, lá muito mais ao norte o paciente e pertinaz cultivador dos magros esparcéis do Overijssel, vivendo sobre a fraca terra conquistada ao mar. Um, o Português, debaixo do ceu azul, ao calor do sol intenso, alegre, descuidado, ralando-se apenas com a próxima colheita, e cantarolando, para espairecer seus males; o outro, o Holandês, envolvido nos nevoeiros do mar do Norte, calcurriando a lama no verão, escorregando sobre a neve no inverno, fleugmático, mas previdente, e sobretudo cônscio dos seus direitos de homem livre, que seus antepassados, e êle próprio, com sangue conquistaram, e firmaram. Duas raças bem diferentes, que já se guerrearam, mas que hoje se não podem odiar.
3o Brasões
e santa caridade de Cristo, a que não precisa de festas, anúncios, estímulos, publicidade, para se exercer.
Bom povo, digno de boa sorte. — Deus lha dê, porque os homens porfiam em lha tirar.
Para o fim deste preâmbulo apresentarei a lista das famílias cujos brasões encontraram lugar na sala dos veados, e agora apenas farei notar, que as armas dos Távoras foram, em resultado da sabida sentença, apagadas, mal se enxergando; e as dos Coelhos desapareceram por completo, pôr terem caído de podres as táboas sobre que eram pintadas, e não por haverem sido arrancadas.
Os guardas do^paço, que à sala dos veados acompanham os visitantes, costumam dizer-lhes, no louvável intuito de encobrir o desleixo, que ali, na- quela falha, estavam as armas do Duque de Aveiro, mandadas arrancar ao mesmo tempo, e pelo mesmo motivo, por que foram raspadas as dos Tá- voras.
E isto um disparate evidente, porque, alem dos Duques de Aveiro serem do ano de i535, e portanto posteriores à pintura primitiva do tecto, também se não pode admitir que uma casa de tal jerarquia tivesse as suas armas no canto escuro de uma sala, onde se tratou de observar as primazias. Tenho porem, afora deste raciocínio, dois testumunhos que se completam, e corro- boram a minha afirmativa. Um é o de Beckford que, visitando a sala dos veados em 24 de Julho de 1787, encontrou um só brasão arruinado, e esse era o dós Távoras (i). O outro é o do Príncipe Lichnovi^sky, que no mesmo mês do ano de 1842, visitando a referida sala, encontrou lá o escudo dos Coelhos todo aspado, como escreve o tradutor (2). É verdade que este via- jante, a propósito daquela sala, comete vários eiros na sua descrição, fazen- do-a redonda, contando lá setenta e quatro brasões, e aceitando, quási, a pa- tranha que a respeito dos Coelhos lhe disseram; mas isso não impede dele lá ter visto o brasão no estado indicado, pois que o Príncipe pode ter-se en- ganado, mas mentido não se admite.
A sala é aproximadamente quadrada, pois mede catorze metros por treze (3). O tecto, de grande pé direito, terminado em cúpula, é oitavado
(i) Italy with sketches of Spain and Portugal, vol. II, pág. 11 3.
(2) Portugal. Recordações do anno de 1842, traduzido do alemão, 2.» edição, pág, 129.
(3) Conforme a Planta do Real Paço e da villa de Cintra levantada por José António de Abreu, Capitão Engenheiro, Vogal Secretario da Commissão do Tombo dos Bens da Co- roa. Em maio de i85o.
Preâmbulo 3 1
na base, cortando os ângulos da sala. Todo em volta, no friso do oitavado, está uma renque de painéis, em cada um dos quais se vê pintado um veado, com um escudo pendente do colo e um timbre entre as hastes, tudo emol- durado em seu caixilho rectangular. Cada um dos lados do octógono tem quatro veados no friso e portanto em toda esta linha, a principal, estão trinta e dois brasões. A estes seguem-se mais dezasseis do mesmo tamanho, postos quatro em cada nembro da parede, logo abaixo dos do friso. Alem destes, em cada um dos quatro ângulos da sala, por baixo dos cortes do oitavado do tecto, vêem-se, em cada canto, mais seis veados, somando portanto vinte e quatro nos quatro ângulos. Recapitulando, temos: trinta e dois veados no friso que circunda toda a sala; dezasseis, nos quatro nembros da parede, na parte não afrontada pelo tecto; e por último, vinte e quatro nos quatro ân- gulos da sala, por baixo dos cortes do tecto; ao todo, setenta e dois.
Afora estes ainda há mais brasões, não pendentes contudo do colo de veados e dispostos em cima, na cúpula, por este modo: ao centro, no fecho dela, as armas do rei, então D. Manuel; de roda destas mais oito de seus filhos.
Na sala há seis janelas, duas a duas em cada uma de três paredes, exis- tindo na quarta mais outra janela, e a um canto uma porta apenas. Quem entra vê logo à sua direita, no friso do corte do tecto, as armas dos Noronhas. Vai lendo sempre para a esquerda até chegar às dos Corte Riais, pegadas às primeiras; então passa para a carreira de veados, nas paredes, abaixo do friso, e continua a ler de Lemos em diante, sempre para a esquerda, até aos Soutomaiores. Chegando aqui, só ficam por ver os brasões pintados nos cantos da sala, e começa pelos do ângulo situado por baixo do lanço onde se vêem os Noronhas, e, principiando em Lobatos e seguindo sempre para a esquerda, vem acabar nos Borges, o último dos brasões sobre a porta da entrada.
Além destes veados, que sustentam as insígnias das armas, ainda no tecto mais acima se vêem outros oito muito maiores, sem emblemas porém, e só com uns listões brancos esvoaçando das hastes. Estes cervos estão pintados, em diferentes posturas, no meio dum apainelado com seus artezÕes e moldu- ras, formado entre a linha principal dos brasões, é aquela onde se puseram as armas dos infantes.
De parte do tecto nos apresenta um desenho bem exacto o arquitecto alemão Albrecht Haupt, um dos poucos viajantes que não curaram por infor- mações; descreveu e desenhou o que viu (i). Hoje, melhor ainda, mído se
(i) Die Baukunst der Renaissance in Portugal . . . Ersier band, Frankfurt a. M., i8go, pág, 129.
32
Brasões
pode bem ver na bela reprodução do tecto publicada pelo Conde de Sabugosa, no seu interessante livro O Paço de Cintra.
Agora, porei aqui uma espécie de planta do tecto da sala das armas, para por ela melhor se compreender a disposição dos brasões lá pintados, e em seguida darei a lista deles, reportando-me às letras e números do de- senho.
CO |
CO |
00 CO |
^ |
CJ) <o |
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o |
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cu 0 <3>
O) |
00 |
CO |
|
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CA |
IN3 to |
A — De prata, cinco escudetes de azul, postos em cruz e carregados cada um de cinco besantes do campo; bordadura de vermelho carregada de sete castelos de oiro. Coroa de florões fechada de dois meios círculos. Timbre: serpe alada, nascente, de oiro. Não tem letreiro. São as armas do Rei.
B — Inf. D. Yoam. — O escudo do Rei diferençado por um banco de pin- char de oiro de dois pendentes. Elmo de prata posto de três quartos, sem Jíimbre. Coroa de oito florões passada no colo do elmo.
Preâmbulo 33
C — Inf. D. Lvis. — As armas precedentes com a diferença de, por baixo de cada um dos pendentes do banco de pinchar, no campo do escudo se ve- rem duas bricas Tranchadas de prata e prata, tendo, em chefe e em ponta, um castelo (?) de vermelho, e nos flancos uma águia de negro.
D — Inf. D. Fernando. — As armas antecedentes, com a diferença de se- rem as bricas franchadas de oiro e prata, tendo no oiro quatro palas de ver- melho, e na prata uma águia de negro.
E — Inf. D. Afonso. — As mesmas, sem tirar nem pôr.
F — Inf D. Enriqve. — As mesmas.
G — Inf. D. Drarte. — As mesmas.
H — Inf D. Isabel. — Escudo em lisonja, partido: o I de prata lisa; o II de prata, cinco escudetes de azul em cruz, carregados cada um de cinco besantes do campo, bordadura de vermelho carregada de sete castelos de oiro.
I — Itif D. Beatris. — As armas precedentes.
Seguem-se os veados com os brasões das linhagens.
1 — Noronhas. — Esquartelado: o I e IV de prata, cinco escudetes de azul em cruz, cada um carregado de cinco besantes do campo, bordadura de ver- melho carregada de sete castelos de oiro; o II e III de vermelho, castelo de oiro, o campo mantelado de prata, com dois liÕes batalhantes de púrpura, linguados de vermelho, bordadura de escaques de oiro e veiros de vinte pe- ças no II e dezoito no III. Timbre: lião do escudo, nascente, armado de vermelho.
2 — Covtinhos. — De oiro, cinco estrelas de cinco pontas de vermelho. Timbre: leopardo de vermelho, armado de oiro, carregado de uma estrela de cinco pontas do mesmo na espádua e segurando com a garra dextra uma capela de flores de vermelho e oiro.
3k — Castro. — De azul, seis besantes de prata. Timbre: roda de nava- lhas de Santa Caterina, a roda de sua cor, as navalhas de prata.
4 — Ataíde. — De azul, quatro bandas de prata. Timbre: onça passante de sua cor, carregada das quatro bandas do escudo no corpo.
5 — De Ecca. — De prata, cinco escudos à antiga de azul, postos em cruz, os dos flancos apontados ao do centro, carregados cada um deles de doze besantes do campo, 4, 4 e 4, os escudetes sobrepostos a um cordão de S. Francisco de púrpura, com seus nós, posto em cruz, em aspa e em orla. Timbre: águia de azul, armada de vermelho e carregada no peito de uma cruz potêntea cosida de negro.
6 — Meneses. — De oiro, escudete à antiga, cosido do mesmo e carregado de um anel com uma pedra, tudo de oiro perfilado de negro, a pedra virada
VOL. I 5
34 Brasões
para o cantão sinistro da ponta. Timbre: donzela nascente de encarnação, vestida de brocado de prata, semeado de vieiras cosidas de oiro, guarnecido do mesmo no cinto, na gola e nos punhos, os cabelos soltos, a mão sinistra na cinta e a dextra segurando o escudete das armas.
j — Castros. — De oiro, treze arruelas de azul. Timbre: Hão nascente de oiro, armado e linguado de vermelho.
8 — Cvnhas. — De oiro, nove cunhas de azul com os gumes para cima. Timbre: dragão sem azas nascente de oiro, linguado de vermelho e carre- gado no peito das' nove cunhas.
9 — Sonsas. — Esquartelado: o I e IV de prata, cinco escudetes de azul, postos em cruz, cada um carregado de cinco besantes do campo; bordadura de vermelho carregada de sete castelos de oiro, e um filete de negro sobre- posto em barra; o II e III de vermelho, caderna de crescentes de prata. Timbre: castelo de oiro.
10 — Pereiras. — De vermelho, cruz florida de prata, vazia do campo. Timbre: cruz de vermelho, florida e vazia, entre duas azas de prata.
1 1 — Vasconcellos. — De negro, três faxas veiradas e contraveiradas de vermelho e prata. Timbre: liao de negro, armado e linguado de vermelho, e carregado das peças do escudo postas em pala.
12 — Meios. — De vermelho, seis besantes de prata entre uma dobre cruz e bordadura de oiro. Timbre : águia de negro, armada e membrada de ver- melho, e carregada de seis besantes de prata sobre o peito.
i3 — Silvas. — De prata. Hão de púrpura, armado e linguado de verme- lho. Timbre: Hão de oiro.
14 — Albvqverqe. — Esquartelado: o I e IV de prata, cinco escudetes de azul, postos em cruz e carregados cada um de cinco besantes do campo, e um filete de negro sobposto em banda; o II e III de vermelho, cinco flores de lis de oiro. Timbre: aza de vermelho.
i5 — Andradas. — De verde, banda de vermelho perfilada de oiro, saindo das bocas de duas serpes do mesmo. Timbre: duas serpes nascentes e ba- talhantes de oiro, atadas de vermelho.
16 — Almeidas. — De vermelho, seis besantes de oiro entre uma dobre cruz e bordadura do mesmo. Timbre: águia de vermelho, armada e mem- brada de oiro, e carregada de seis besantes de oiro no peito.
17 — Manoeis. — Esquartelado: o I e IV de vermelho, aza de oiro termi- nada por uma mão do mesmo, sustentando uma espada alçada de prata, guarnecida de oiro; o II e III de prata, Hão de púrpura, armado e linguado de vermelho. Timbre: os móveis do I quartel.
18 — Febos Monis. — Esquartelado: o I e IV de azul, cinco estrelas de #ito pontas de oiro; o II e III também esquartelado; o i.° de vermelho, cruz
Preâmbulo 35
florida de oiro, vazia do campo; o 2.° de prata, três faxas de azul; o 3." de prata, lião de vermelho; o 4.° de vermelho, lião de oiro. Timbre: lião aleo- pardado de vermelho, armado de prata.
ig — Limas. — Partido de dois traços: o I de oiro, quatro palas de ver- melho; o II cortado, o i.° de prata, hão de púrpura, o 2.° de prata, três faxas xadrezadas de oiro e vermelho de duas tiras; o III cortado do 2.° do II sobre o I." do mesmo. Timbre: lião aleopardado de púrpura.
20 — Tavoras. — De oiro, cinco faxas ondadas de azul e prata (?). Tim- bre: . . . (por causa do raspado Já se não conhece).
21 — Henriqves. — De vermelho, castelo de oiro, o campo mantelado de prata com dois liões batalhantes de púrpura, linguados de vermelho. Tim- bre: o castelo.
22 — Mendocas Fvrtados. — Pranchado de verde e oiro, no verde do chefe, pala de vermelho perfilada de oiro, no da ponta, a mesma peça um pouco mais em banda; no oiro, um S de negro em cada um. Timbre: aza de oiro, carregada de um S de negro.
i^i — Alvergaria. — Dq prata, cruz florida de vermelho, vazia do campo; bordadura também de prata carregada de oito escudetes de azul, cada um sobrecarregado de cinco besantes do campo. Timbre: dragão volante de vermelho, armado de oiro.
24 — Almadas. — De oiro, banda de azul carregada de duas cruzes do campo, floridas e vazias, a banda acompanhada de duas águias de verme- lho, membradas de oiro. Timbre : uma das águias, armada e membrada de oiro.
25 — A\ei'edos. — Esquartelado: o I e IV de oiro, águia de negro; o II e III de azul, cinco estrelas de oito pontas de prata, bordadura cosida de ver- melho e carregada de oito aspas de oiro. Timbre: a águia armada e mem- brada de oiro.
26 — Castel Branco. — De azul, lião de oiro, armado e linguado de ver- melho. Timbre: lião aleopardado de oiro, armado e linguado de vermelho.
27 — Abrevs. — De vermelho, cinco azas de oiro, cortadas em sangue. Timbre: uma das azas.
28 — Britos. — De vermelho, nove lisonjas de prata apontadas, moventes do chefe, da ponta, e dos flancos do escudo, cada lisonja carregada de um lião de púrpura. Timbre: lião aleopardado de púrpura linguado de verme- lho.
29 — Movras. —De vermelho, sete castelos de oiro, 3, i e 3. Timbre: um dos castelos.
30 — Lobos. — De prata, cinco lobos passantes de negro. Timbre: um dos lobos.
36 Brasões
3i — Sas. — Enxequetado de prata e azul de seis peças em faxa e oito em pala. Timbre: búfalo nascente de negro, com uma argola de oiro nas ventas.
32 — CortereaL — De vermelho, seis costas de prata firmadas nos flancos do escudo, postas em faxa e dispostas em duas palas; chefe de prata carre- gado de uma cruz de vermelho. Timbre: braço armado de ferro guarnecido de oiro, a mão de encarnação empunhando uma bandeira de duas pontas de prata, hasteada de sua côr, e carregada de uma cruz suspensa de ver- melho.
33 — Lemos. — De vermelho, cinco cadernas de crescentes de oiro. Tim- bre: águia nascente de vermelho, carregada de um minguante de oiro.
34 — Ribeiros. — Esquartelado: o I e IV de oiro, quatro palas de verme- lho; o II e 111 de negro, três faxas veiradas de prata e vermelho. Timbre: lírio de oiro florido de duas peças.
35 — Cabraes. — De prata, duas cabras passantes, sotopostas de verme- lho e armadas de negro. Timbre: uma das cabras.
36 — Mir andas. — De oiro, aspa de vermelho acompanhada de quatro flores de lis de verde. Timbre: aspa de oiro com duas flores de lis de verde saindo dos braços superiores da aspa.
37 — Tavares. — De oiro, cinco estrelas de oito pontas de vermelho. Timbre: cavalo branco, de sua côr, nascente, bridado de oiro.
38 — Mascarenhas. — De vermelho, três faxas de oiro. Timbre : Hão nascente de vermelho, armado de negro, e carregado das três faxas do es- cudo.
39 — Sanpajos. — Esquartelado: o I e IV de oiro, águia de vermelho; o II e III enxequetado de oiro e azul de cinco peças em pala e quatro em faxa; bordadura de todo o escudo de vermelho carregada de oito SS de prata. Timbre: uma das águias.
40 — Malafajas. — De vermelho, castelo de prata, lavrado de negro, e sobrepujado de um corvo volante de negro na torre do meio. Timbre: os móveis do escudo.
41 — Meiras. — De vermelho, cruz de oiro, florida e vazia do campo. Timbre: alão passante de negro, linguado de vermelho.
42 — Aboim. — Esquartelado: o I e IV enxequetado de oiro e azul de três peças em faxa e três em pala; o II e III de oiro, três palas de azul. Timbre: dois braços vestidos de azul, as mãos de encarnação segurando um taboleiro enxequetado de oiro e azul de nove peças.
43 — Carvalhos. — De azul, estrela de oito pontas de oiro dentro de uma caderna de crescentes de prata. Timbre : cisne de sua côr, armado e mem- brado de oiro.
Preâmbulo ^ 3j
44 — Motas. — De verde, cinco flores de lis de oiro. Timbre: uma das flores de lis entre duas plumas verdes.
45 — Costas. — De vermelho, seis costas de prata, postas em faxa, dis- postas em pala e firmadas nos flancos do escudo. Timbre: duas das costas passadas em aspa, e atadas de vermelho.
46 — Pesanhas. — De prata, banda de vermelho, carregada de três flores de hs de oiro postas no sentido da banda. Timbre: as três flores de hs apontadas em pala.
47 — Pacheco. — De oiro, duas caldeiras de negro, postas em pala e carregadas de três faxas de veirado de oiro e vermelho, e três cabeças e pescoços de serpe de vermelho saindo de cada um dos encaixes das azas. Timbre: dois pescoços de serpe de oiro, bataihantes, e linguados de ver- melho.
48— Sovtomaior. — De prata, três faxas enxequetadas de vermelho e prata de duas tiras. Timbre: lião de prata, armado e linguado de vermelho, e carregado das três faxas do escudo.
49 — Lobatos. -De vermelho, três castelos de prata, bordadura de oiro carregada de oito lobos passantes de negro. Timbre: um dos castelos com um dos lobos nascente da torre do meio.
5o — Peixeiras. — De negro, cruz potêntea de prata, vazia do campo. Timbre: unicórnio nascente e volvido de prata.
5i — Valente. — De vermelho, lião de oiro. Timbre: o lião.
52 — Serpas. — De verde, lião de oiro, acompanhado de dois castelos de prata em chefe, e de um dragão volante de oiro em ponta. Timbre: o dra-
53 — Gama. — Enxequetado de oiro e vermelho de três peças em faxa e quatro em pala, cada peça de vermelho carregada de duas faxas de prata, e sobre o quinto escaque um escudete de prata carregado de cinco escudetes de azul, postos em cruz e sobrecarregados cada um de cinco besantes de prata. Timbre: naire nascente, vestido de branco, os braços nús, na mão direita segurando ao ombro um pau, e na esquerda, em ar de defesa, o es- cudete das quinas das armas.
54 — Nogvei^^a. — De oiro, banda mais larga do que o usual, enxequetada de verde e prata de cinco ordens, a tira do meio coberta por uma cótica de vermelho. Timbre: ramo de nogueira de verde com ouriços abertos e nozes de oiro.
55 — Betancor. — De prata, lião de negro, armado e linguado de verme- lho. Timbre : o lião.
56 — Góes. — De azul, seis cadernas de crescentes de prata. Timbre: dragão volante de oiro.
38 Brasões
57 — Pestanas. — De prata, três faxas de vermelho. Timbre: onça nas- cente de prata.
58 — Barretos. — De prata, dez pintas de arminhos de negro, 3, 4 e 3. Timbre: donzela nascente vestida de arminhos, os cabelos soltos, o braço direito curvado e a mão como que apontando para cima, e o braço esquerdo também curvado, mas com a mão apoiada na anca.
59 — Coelhos. — Sumiram-se.
60 — Queirós. — Esquartelado: o I e IV de oiro, seis crescentes de ver- melho; o II e III de prata. Hão de vermelho. Timbre: o lião nascente.
61 — Fer eiras. — De vermelho, quatro faxas de oiro. Timbre: ema de prata, armada de vermelho.
62 — Siqveiras. — De azul, cinco vieiras de oiro. Timbre: uma das viei- ras (i).
63 — Cerqveiras, aliás Cerveiras (2). — Esquartelado: o I e IV de verme- lho, cruz florida de oiro; o II e III de oiro liso; bordadura de todo o escudo de prata, dividida em quatro partes pelo prolongamento das linhas do es- quartelamento, sendo duas dessas partes lisas, e as duas correspondentes ao I e IV quartel cada uma carregada de cinco escudetes de azul, sobrecarre- gados cada um de cinco besantes de prata. Timbre: cerva passante de sua côr.
64 — Pimenteis. — Esquartelado: o I e IV de vermelho, três faxas de oiro; o II e III de verde, cinco vieiras de prata com o de dentro para fora; bordadura de todo o escudo de prata carregada de dez cruzes potênteas de negro. Timbre: toiro nascente de vermelho, com as unhas e armado de oiro.
65 — Fois, aliás Goiás. — Cortado: o I partido de prata com três palas de púrpura, e de vermelho com um castelo de oiro; o II de prata, três pintas de arminhos de negro, em faxa. Timbre: torre de oiro.
66 — Arsas, ahás Arcas {2>). — Esquartelado: o I e IV de oiro, faxa de vermelho; o II e III enxequetado de vermelho e oiro de nove peças. Tim- bre: alão passante de negro.
67 — Pintos. — De prata, cinco crescentes de vermelho. Timbre: lião nascente de vermelho.
(i) Aqui pintaram as vieiras com a parte côncava para fora; foi capricho do restau- rador.
(2) Mais um vestígio dos restauros; as armas que estão neste veado são as dos Cervei- ras, e não as dos Cerqueiras, muito diferentes. Em i655, quando se imprimiram as Noticias^ de Portugal de Severim de Faria, ainda no tecto se lia Cerveiras e não Cerqueiras.
(3) Para estes e para os precedentes vide a nota a Cerqueiras ; são casos análogos.
Preâmbulo 89
68 — Gopveas. — Partido: o I de vermelho, seis besantes de prata entre uma dobre cruz e bordadura de oiro; o II de prata, seis arruelas de azul (i). Timbre : águia de vermelho.
69 — Faria. — De vermelho, torre de prata entre duas flores de lis do mesmo, e acompanhada de mais três postas em chefe. Timbre: a torre so- brepujada de uma das flores de lis.
70 — Vieiras. — De vermelho, seis vieiras de oiro. Timbre : uma das vieiras entre dois bordões de Santiago de vermelho, passados em aspa, fer- rados e atados de oiro.
71 — Agviar. — De oiro, águia de vermelho, armada e membrada de ne- gro, e carregada sobre o peito de um crescente de prata. Timbre: os mó- veis do escudo.
72 — Borges. — De vermelho, lião de oiro, bordadura cosida de azul, e carregada de oito flores de lis de oiro. Timbre: liao aleopardado de oiro.
Por baixo de toda a pintura, no friso das paredes, em grandes letras doiradas, lê-se esta quadra:
POIS COM ESFORÇOS LEAIS SERVIÇOS FORAM GANHADAS COM ESTAS E OUTRAS TAIS DEVEM DE SER CONSERVADAS.
O autor dos versos ninguém, que eu saiba, nomeia, e pouco com isso se perde, me parece.
Aí fica pois a ordem e a maneira por que estão pintadas as armas dos nobres portugueses na sala dos veados do paço de Sintra.
Aquela ordem é, como já disse, a mesma dada por António Rodrigues aos brasões no seu livro chamado do Armeiro mor, e seguida por António Godinho no outro livro, o da Torre do Tombo.
Havia António Rodrigues jurado, como ele próprio declara, bem e ver- dadeiramente guardar a cada um sua justiça, pondo-lhe as armas no seu lugar e ordem, como haviam sido dadas antigamente (2). Foi um juramento muito arriscado este que o Rei de Armas fez; e nem lhe seria fácil observá-lo à risca, nem mesmo curou muito disso.
Em seguida às armas do Príncipe assentou as dos maiores senhores da
(i) Aqui estão bem iluminadas as armas dos Castros, as quais no seu lugar ficaram com os esmaltes trocados.
(2) Veja-se a nota 2, pág. 9.
40 Brasões
corte, tais como os Duques de Bragança e Coimbra, o Marquês de Vila Rial, e, sob o titulo genérico de casa de Bragança, os parentes daquele primeiro Duque, os quais eram então seu irmão D. Denis, casado em Castela, e seus primos os Condes de Odemira e Tentúgal. Depois continuou o Rei de Ar- mas com as do Conde de Penela, descendente da casa rial; as da casa de Noronha de que era chefe o Marquês, mas da qual os outros membros tra- ziam armas diferentes, e entre eles já tinha havido o i.° Conde de Odemii»a; as dos Meneses de Tarouca pelo Conde de Valença; dos Coutinhos pelo Conde de Marialva; dos Castros de seis arruelas pelo Conde de Monsanto, começando só d'aqui por diante a dar unicamente aos brasões o nome da linhagem a que pertenciam.
A primeira é a de Ataíde, onde Já existia o Conde da Atouguia. Se- guem-se-lhe a de Eça, de linhagem rial, a de Meneses em que já havia, alem dos antigos títulos, os mais modernos de condes de Cantanhede e de Tarouca, e depois por aí fora, que longo e fastidioso seria enumerar, e desnecessário até, para ficar provado que António Rodrigues pouco se importou com a or- dem da antiguidade; o que êle quis foi observar quanto possível as jerarquias, e na minha opinião fez muito bem. O livro havia de ser mostrado, não con- vinha ao autor indispôr-se com nenhum poderoso.
Ele próprio Rei de Armas ingenuamente dá a conhecer na sua obra, que não pôde ou não quis seguir à risca o juramento. Na folha 49 traz as armas de «Castro cÕde. de mõsãcto», e na 5i as de «Castro antiguo». ^Porque o fez êle? Porque os primeiros eram uns grandes senliores, e os outros, ainda que mais antigos, estavam na segunda plana.
Serve isto para provar que nem nos livros dos brasões, nem na sala de Sintra se obedeceu à ordem cronológica. Tiveram a preferência a grandeza, o vahmento, a posição na corte.
Vá lá um exemplo só, e basta.
O primeiro brasão na sala é o dos Noronhas, família que teve o seu prin- cípio no último quartel do século xiv (i). O quadragésimo segundo é o dos Aboins, existentes já mais de cem anos antes, na primeira metade do sé- culo XIII (2).
Vou terminar, dando ainda contudo a razão por que apresento as duas pequenas e toscas gravuras nas quais se reproduzem as casas das quintas de Vai Flores e Ribafria. Dou-as por me parecer que representam boas amos- tras da nossa arquitectura doméstica no século de quinhentos.
(i) Veja-se lá adiante no título dos Noronhas. (2) Vide no título dos Sousas.
Pi'eàmbulo
41
A primeira é uma casa de campo, nobre sim, mas sem presunções a mais; a outra é um solar afidalgado, feito com carácter e capricho. Ambas elas foram edificadas pelo mesmo tempo, meado século xvi, sendo talvez a torre de Ribafria um pouco mais velha.
E agora mais nada; aqui porei ponto a esta estendida palestra preliminar, esperando que ao meu trabalho aplique o leitor o verso do poeta latino:
Arguor immerito, tenuis mihi campus aratur (i).
Aldeia, 24 de Abril de 1899. — Salitre, 21 de Dezembro de 1919.
(i) Ovídio, nas Tristezas, liv. II, pág. 686 mihi.
VOL. I
1
NORONHAS
Brasões da Sala de Sintra, Vol. I.
Esquartelado: o I e IV de prata, cinco escudetes de azul em cruz, cada um carregado de cinco besantes do campo, bordadura de vermelho carregada de sete castelos de oiro (Portugal); o II e III de vermelho, castelo de oiro (Castela), o campo mantelado de prata, com dois liões batalhantes de púr- pura, linguados, de vermelho (Lião), bordadura de escaques de oiro e de veirado de vermelho e prata, de vinte peças. Timbre: lião nascente de púr- pura, armado de vermelho.
Assim se encontram, mas com um filete negro sobreposto em barra no I e IV quartel e com os escaques da bordadura do II e III de oiro e veiros, no Livro do Armeiro mor, fl. 47 v., fio Livro da Torre do Tombo, fl. 9, no Thesouro da nobreza de Francisco Coelho, fl. 27, no Thesouro da nobre'{a de Fr. Manuel de Santo António, n-17, etc.
I
PAZ DE SANTARÉM
Corria o ano de 1372 do nascimento de Cristo, 1410 da era de César, como então se contava.
O reino libertado da invasão castelhana pela paz de Alcoutim (3i de Março de 1371) não encontrara contudo o socêgo, pois que a cunhagem da nova moeda, com os «preços desvairados» que el Rei lhe marcara, e a «al- motaçaria posta em todallas cousas» traziam os ânimos alvoroçados.
Na primeira providência, a mudança da moeda, tinham-se deixado cair a princípio, não só os fidalgos, como os próprios comerciantes e gente miúda.
Engodara-os a aparente vantagem de entregar à Moeda prata adquiri-da a dezoito libras de dinheiros alfonsins, recebendo em troca vinte e sete libras
46 Brasões
das barbudas por cada marco. Não viam, que de cada marco de prata, em vez de se extraírem as devidas vinte e sete libras, tirava D. Fernando cento e noventa e cinco barbudas, ganhando portanto cento e sessenta e oito libras em cada um. De-pressa porem acharam todos o logro, e recorreram a el Rei em alto brado.
Decretou-se então a diminuição do valor marcado à moeda, e foi tal, que a barbuda passou de valer vinte soldos, a valer catorze, e por fim apenas dois soldos e quatro dinheiros. Mas, como isto ainda não bastasse, orde- nou-se a almotaçaria sobre todas as coisas; isto é, tarifaram-se, não só os preços dos géneros conforme os lugares da produção, como os próprios sa- lários; obrigaram os negociantes, e seguidamente os lavradores, à venda dos géneros enceleirados; e determinou-se a partilha dos mantimentos, se a tal necessidade se chegasse.
Os amores e casamento dei Rei com D. Leonor Teles, escândalo monu- mental do tempo, proporcionaram ocasião a dichotes e alevantamentos, que fizeram ainda acrescer, ao mal presente, o receio pelo futuro.
Se não quando, nos fins do verão, ameaçadora tempestade se vê acumu- lada no oriente. Não tardou a desencadear-se sobre o reino, onde penetrou sob forma de um exército castelhano, que, meado Setembro, invadiu o terri- tório, apossando-se de várias vilas e da cidade de Viseu.
Parou aqui, não para se desvanecer, mas para tomar forças e incremento, e poder com mais impetuosidade e vigor investir com o coração do reino. Em Fevereiro do ano seguinte, o de i373, o exército castelhano saiu de Vi- seu, e a 23 do próprio mês assentou D. Henrique II os seus arraiais sobre Lisboa.
^Que motivara similhante e inesperada invasão? O ânimo inquieto de D. Fernando, e o despeito do Castelhano ao ver preferida sua filha por uma mulher casada, e de sangue não rial.
jPara esta guerra de tam funestas consequências concorreu um Português! Diogo Lopes Pacheco, um dos culpados na morte de Inês de Castro, voltara a viver na corte castelhana, e era a D. Henrique tão aceito, que ele o mandou a Portugal averiguar das denúncias recebidas de premeditadas hostilidades. O rico homem, esquecido do seu país e do perdão que seu rei lhe dera, quando, assaltado pelas saudades da pátria, a êle recorrera, e lembrando-se unicamente dos novos agravo^ recebidos, mas por êle provocados pela hos- tilidade manifestada ao casamento de D. Leonor, em vez de tratar de conci- liação, levou de cá exageradas novas a Castela.
Da parte de Portugal viu-se quam exageradas eram, pela falta de aper- cebimento em que el Rei estava, não só para invadir, como até para resistir à invasão; e da parte de Castela pelas apressadas disposições tomadas pelo
Noronhas 47
Bastardo de Trastâmara, que, exasperado com os do seu conselho que opi- navam pela demora da expedição, lhes disse, na pitoresca frase de Fernão Lopes: «Ou vós todos estaes bevedos, ou samdeos, ou sois treedores».
Apertada a heróica Lisboa pelo cerco, fechado D. Fernando em Santarém •om um dos seus ataques de covardice, destruída a esquadra, ^que restava? Aproveitar a mediação do Legado do Papa, e aceitar a paz por todo o preço. Foi o que se fez, assinando-se ela em Santarém a 19 de Março, e apregoan- do-se aí cinco dias depois.
Combinou-se então a entrevista dos reis sobre o Tejo, e dela voltou D. Fer- nando, dizendo a sorrir para os fidalgos que o acompanhavam: a Quanto eu, hanricado venho!»
Uma das condições desta paz foi o casamento da infanta D. Beatriz, irmã dei Rei, com o Conde de Alburquerque, D. Sancho, irmão dei Rei de Cas- tela. Celebraram-se as bodas com justas e festas brilhantes, e por esta oca- sião tratou-se o casamento de D. Isabel, filha bastarda de D. Fernando, me- nina de oito anos, com D. Afonso, conde de Gijon e Noronha, bastardo de Henrique ÍI, e moço de dezoito anos. E este foi um dos muitos casamentos de conveniência pactuados em todos os tempos entre soberanos, resolvidos a sacrificarem desapiedadamente a felicidade dos seus mais chegados, a troco do que posteriormente se chamou razão de Estado.
O conde D. Afonso, ou porque já tivesse alguma inclinação, ou porque a sua desposada lhe fosse antipática, não anuiu de bom grado ao casamento, nem nos desposórios, nem quando posteriormente se tratou de o efeituar.
Chegou a fugir para França e Avinhão, d'onde somente voltou apertado pelas ameaças paternas, e a muito custo, ante o altar, disse o sim sacramen- tal. Não consumou contudo o casamento, conservando seu pai iludido a tal respeito durante os dois meses, que permaneceram em Burgos e Falência. Morto el Rei, obteve o divórcio, mas dele não se aproveitou, pois que não só. consumou o matrimónio, como teve de sua mulher vários filhos (i).
^Deixara-se seduzir pelas qualidades morais ou físicas da repudiada es- posa? ^Influíra sobre sua resolução o encontrar, na vida de perseguido e desgraçado a que o seu ânimo irrequieto o condenou, consolação e carinho em D. Isabel? ^Ou seria, porque, considerando a rainha de Castela D. Bea- triz tam ilegítima filha de D. Fernando, como a própria Condessa, tendo esta sobre aquela a vantagem da primogenitura, necessitasse ligar-se definitiva- mente a D. Isabel para justificar as suas pretensões ao trono português? Não sei, ainda que para a última conjectura me incline.
(1) Fernão Lopes, Chronica d'el-rei D. Fernando, caps. 55, 66 e seguintes.
48 Brasões
O certo é, ter a Condessa, depois de viúva, voltado para Portugal, tra- zendo consigo seis filhos e recebendo para si e para eles bom agasalho de D. João I.
II
LINHAGEM
Os filhos dos Condes de Gijon e Noronha, que passaram a Portugal com sua mãe, foram os seguintes:
1° — D. Pedro de Noronha, arcebispo que foi de Lisboa de 1424 a 1452 (i). Dele provieram os Marqueses de Angeja (21 de Janeiro de 1714), o Conde de Carvalhais, os Noronhas Ribeiros Soares, as varonias das casas dos Ar- cos, de Marialva, de S. Lourenço e outras.
2.** — D. Fernando de Noronha, conde de Vila Rial (1434) pelo seu casa- mento. Foi progenitor dos demais Condes de Vila Rial, antigos, dos Mar- queses (1489) e Duque da mesma vila (i585) e Duques de Caminha (1620); dos Condes de Linhares, antigos (i525), dos de Valadares (i7o3), dos de Paraty (181 3), da varonia dos Marqueses de Cascais, etc. Estes Noronhas sobrepuseram às suas armas as dos Meneses de Vila Rial, e no chefe da família estava a primogenitura legítima dos Noronhas.
3." — D. Sancho de Noronha, i." conde de Odemira (1446), cujos des- cendentes legítimos provieram todos por linha feminina e usaram das antigas armas da casa de Bragança, ainda que em alguns se repetiu o apelido de Noronha.
4.'' — D. Henrique de Noronha, capitão de gente de guerra na tomada de Ceuta, de quem não subsiste geração masculina legítima.
5.° — D. João de Noronha, sem descendentes.
6.° — D. Constança de Noronha, duquesa de Bragança, segunda mulher, sem geração, do i.° Duque de Bragança.
Eis, resumidamente descrita, a origem e indicados os principais ramos da ilustríssima família de Noronha.
(i) Encontrei, numa sentença de 4 de Janeiro de 1427, um selo pendente com as armas do arcebispo de Lisboa D. Pedro de Noronha. São elas um escudo esquartelado: no I e IV quartel um castelo, e o campo mantelado com dois liões batalhantes; no II e III as qui- nas do reino com os escudetes dos flancos apontados ao do centro; euma bordadura a todo o escudo carregada de dezassete castelos. A sentença foi passada em nome de Vasco Es- teves, escolar em Direito Canónico, vigário perpétuo da igreja de S. Tomé de Lisboa e ou- vidor geral do muito honrado padre o senhor D. Pedro. — Torre do Tombo, Mosteiro de Oie/<j5, pergaminho, n.' 3 1 3.
II
COUTINHOS
VOL. 1
I
Brasões da Sai. a de Sintra, Vol. I.
\
De oiro, cinco estrelas de cinco pontas de vermeliio. Timbre: leopardo de vermelho, armado de oiro, carregado de uma estrela de cinco pontas de oiro sobre a espádua e segurando na garra dextra uma capela de flores de vermelho e oiro.
Quanto ao escudo, pouca variedade apresentam estas armas no Livro do Armeiro mor, fl. 48 v. e no Livro da Torre do Tombo, fl. g v., consistindo apenas em as estrelas nestes serem de sete pontas. Quanto ao timbre po- rem a diferença é maior, no segundo, porque o primeiro não traz timbres: nele se vê pintado unicamente um lião aleopardado de vermelho.
Conformes em tudo com a pintura desta sala encontram-se as armas dos Coutinhos no Thesoiiro da Nobreza de Fr. Manuel de Santo António, c-io5.
I
BATALHA DE TRANCOSO
i385
Aos 6 de Abril de i38õ, nos paços da alcáçova de Coimbra, as Cortes portuguesas proclamaram rei ao Mestre de Avis.
Termidada a festa da coroação, elegeu D. João I os oficiais mores da sua casa e os do exército; agraciou, com mercês e favoráveis desembargos, os fidalgos e os povos dos concelhos, que mais sé tinham distinguido pela sua causa; e proveu às necessidades urgentes do novo reinado. Seguidamente passou ao Porto a fim de partir d'aí a acometer os lugares, que no Minho tinham tomado voz por el Rei de Castela. Eram eles na verdade os prin- cipais e o maior número.
Os fidalgos, que nas Cortes se tinham reunido, tomaram então desvaira- dos caminhos, cada um para onde o dever ou o maior perigo os chamava.
52 Brasões
Para a Beira partiram, enire outros, Martim Vasques da Cunha para o seu castelo de Linhares, levando consigo seu irmão o alferes mor Gil Vasques da Cunha; o guarda mor, João Fernandes Pacheco, para a sua vila de Fer- reira de Aves; Gonçalo Vasques Coutinho para o seu castelo de Trancoso; e o mestre sala, Egas Coelho, para a sua vila de Linhares.
Pouco tempo depois de chegados, em princípios de Maio, os dois alcaides mores viram das ameias de seus castelos invadir a província uma numerosa hoste castelhana, capitaneada por João Rodrigues de Castanheda.
Em Cidade Rodrigo tinha mandado el Rei de Castela a alguns cavaleiros, que ajuntassem os seus homens de armas, a fim de fazerem correrias pelos campos de Portugal. Reunido já um certo número de capitães, não poderam sofrear os apetites de saque. Com este intuito puseram-se a caminho, con- tando com a impunidade, pois sabiam que, alem de não haver naquela pro- víncia fronteiro, os fidalgos principais dela estavam desavindos.
Por Almeida entraram em Portugal, e marcharam por Pinhel e pela veiga de Trancoso direitos a Viseu, onde penetraram sein resistência, pois era lugar aberto. Saquearam a cidadei, roubando e cativando tudo que lhes aprouve, e puseram-se de novo a caminho, direitos a Castela, com os des- pojos e cativos. Levavam tam valiosa presa, que excediam a setecentas as azêmolas da carriagem.
^Que faziam entretainto os alcaides mores dos 'castelos da fronteira? Agravados uns contra os outros, e não tendo, cada um de per si, forças su- ficientes para combater os Castelhanos, assistiam detrás das fortes muralhas, certamente raivosos, mas impotentes, à assolação e saque da província.
Então, João Fernandes Pacheco, não lhe sofrendo o ânimo brioso a injúria recebida, decidiu tentar a reconciliação. Saindo de Ferreira dirigiu-se a Li- nhares, onde em Martim Vasques da Cunha topou bom propósito, pois pronto ficava, a-pesar das afrontas padecidas, para unir os seus homens de armas aos de Gonçalo Vasques Coutinho, e juntos saírem ao encontro dos invasores.
Contente e apressado dirigiu-se o Senhor de Ferreira a Trancoso. Re- peliu-o porem o Alcaide mor, fundando-se no pretexto da discórdia existente; mas a verdadeira causa em breve a penetrou Pacheco por algumas palavras, que Gonçalo Vasques Coutinho deixou cair. Este, o que não queria, era combater debaixo da bandeira de Martim Vasques.
Não desacoroçoado voltou Pacheco a Linhares, onde, exposto o embaraço, encontrou em Martim Vasques digna e levantada determinação. Todos sa- biam, ser ele Cunha muito superior em vassalos, nobreza e grandeza de casa ao Coutinho, mas, para serviço dei Rei e proveito da pátria, estava disposto a pelejar às ordens de Gonçalo Vasques, e para prova iria com seus irmãos juntar-se-lhe em Trancoso.
Coutinhos 53
Neste castelo se apresentaram os Cunhas, levando na sua companhia a João Fernandes Pacheco e a Egas Coelho. Foram tratados com um lauto banquete, durante o qual Leonor Gonçalves, mulher do Alcaide mor, «andava entre eles com grão prazer e lédice, mostrando que de tal festa era muy contente». Terminado o festim, e feitos os Juramentos de recíproco auxílio, acordaram na maneira e no lugar onde combateriam os Castelhanos.
Na veiga de Trancoso, a menos de meia légua da vila, formaram-se a pé as tropas portuguesas. Constavam elas de cento e vinte lanças dos homens de armas de Gonçalo Vasques Coutinho, cento e cinquenta dos de Martim Vasques da Cunha, trinta dos de João Fernandes Pacheco, e mais algumas dos de Egas Coelho. Ao todo trezentas e tantas lanças, a que ajuntaram muitos peões trazidos das aldeias vizinhas.
Bem de manhã, num belo dia de fins de Maio, apareceu a hoste castelhana em número de quatrocentas lanças, duzentos ginetes e bastantes peões e bes- teiros. Avistadas as tropas portuguesas, detiveram-se os Castelhanos em largo conselho, em resultado do qual inclinaram sua marcha para a direita, procurando a ribeira de Frechas, na imenção aparente de evitar o combate.
Adivinhada ela, moveram-se os Portugueses, e apresentaram-se de frente aos Castelhanos junto à ermida de S. Marcos, a qual, como padrão que ficou sendo desta batalha, foi arrasada pelo exército castelhano, quando no Julho seguinte por ali tornou.
Não podendo evitar o combate, deixaram os invasores os ginetes de guarda à presa, e os peões e besteiros de vigia aos cativos, e, postos a pé os homens de armas, ao som das trombetas, e ao estridor dos gritos «Cas- tilla y Santiago» e «Castafíeda», deram nos cavaleiros portugueses, que firmes ■os receberam, clamando por «Portugal e S. Jorge», «Cunha e Ferreira».
Travou-se a batalha, que foi das mais renhidas e características pelejadas entre Portugueses e Castelhanos. Nela, o valor, a união, o amor da pátria oprimida, supriram, como em outras, a falta de número.
O ardor era tal, a sede do sangue inimigo tanta, que os duros golpes, batendo nas rijas armaduras, produziam pavoroso estrépito, ouvido d'ali a meia légua, em Trancoso.
Os peões portugueses tinham fugido, ainda antes do primeiro choque, e ás mãos dos ginetes castelhanos morreram alguns. Não desanimaram con- tudo os homens de armas, ante este mau prenúncio de vitória. Apertando as fileiras, e redobrando de esforço, breve íizeram conhecer aos Castelhanos, que era ilusória a aparente vantagem.
Já sobre a tarde, dos quatrocentos cavaleiros espanhóis, apenas existia um, preso por Gil Vasques da Cunha, que o não quis matar para haver tes- temunha, entre os contrários, de tam glorioso e extraordinário feito.
54 Brasões
j Deveras assombroso foi, o que o Castelhano viu então! Aqui, os cadá- veres de todos os cavaleiros e escudeiros seus companheiros de armas; aU, fugitivos, trepando pela encosta, os peões e besteiros, que não ficaram presos dos que, havia pouco ainda, eram seus cativos; ao longe, já pelo cume dos oiteiros, os ginetes, que, abandonando a presa, não esperaram a ver o fim; e, de roda dele, ofegantes, cobertos de sangue e pó, os Portugueses, todos os Portugueses, pois que, diz o cronista, nem um só dos homens de armas inordeu a terra nesse memorável combate (i).
jQue nobre orgulho, que bem fundada audácia não incutiria esta vitória no ânimo dos Portugueses! ; Quanto não lhes aumentaria ela a fé no feliz êxito da sua empresa! ;e que brilhante prelúdio não foi da batalha de Alju- barrota!
A Martim Vasques da Cunha, mais do que a ninguém, se deveu este glo- rioso sucesso, pois que, a favor da causa comum, soube vencer a altivez do seu carácter, dando um exemplo bem poucas vezes seguido nesses tempos de insofrido orgulho.
O capitão da hoste portuguesa na memorável batalha de Trancoso foi, como fica dito, Gonçalo Vasques Coutinho, alcaide mor daquela vila e pos- teriormente marichal de Portugal. Foi cavaleiro de tam esforçadas façanhas que dele disse o Duque de Lencastre que, «se ouvesse de aventurar o Reyno de Castella, e poer seu direito em mão de hum homem que o combatese», Gonçalo Vasques Coutinho, ou Rui Mendes de Vasconcelos, cada um deles, era bastante para lhe confiar tal feito (2).
Muito assinalada acção de Gonçalo Vasques Coutinho foi a da defensão de uma ponte, quando em 1387 o exército português seguia o caminho de Cidade Rodrigo. Nesse dia ele, único cavaleiro, acompanhado por alguns besteiros, embargou o passo aos Castelhanos durante todo o tempo necessá- rio para o nosso exército passar a vau (3).
n
LINHAGEM
Era Gonçalo Vasques Coutinho senhor do couto de Leomil na Beira por sucessão a seus maiores, e por êle ser pequeno se lhe chamava o Coutinho, provindo d'aqui, diz-se, o apelido a seus possuidores. Este couto de Leomil
(i) Fernão Lopes, Chronica de D. João 1, part. 11, caps. 19 a 21.
(2) Ibidem, cap. 109.
(3) Ibidem, cap. 1 12,
Coiitinhos 5 5
havia sido doado por juro de herdade com outros bens, por carta passada em Vila Nova de Anços a i3 de Março de 1410 (1372), ao vassalo dei Rei Vasco Fernandes Coutinho (i). A este mesmo fidalgo, intitulando-o cava- leiro e vassalo, fez D. Fernando nova doação, para ele e descendentes, por carta dada em Lisboa a 23 de Julho de 1421 (i383), pelos serviços prestados nas guerras com D. Henrique e D. João de Castela, da vila de Nomão e seus termos, do castelo de Penedono e seu termo, e dos lugares de Póvoa, Penela, Paredes, Riodades e Valongo, com seus termos, jurisdições, data de ofícios, tabeliães, etc. (2). Ao filho de Vasco Fernandes, o referido mari- chal Gonçalo Vasques Coutinho, confirmou D. loao I, em Ceuta, a 24 de Agosto de 1453 (141 5), a precedente doação, mandando incorporar todos aqueles bens no couto de Leomil e ordenando, a ele Gonçalo e a seus suces- sores, que se intitulassem senhores do couto de Leomil (3).
Casou Gonçalo Vasques Coutiriho por duas vezes, sendo sua segunda mu- lher D. Joana de Albuquerque, filha bastarda do mestre de Santiago D. Fer- nando Afonso de Albuquerque, e dela só teve uma filha, D. Isabel Coutinho, que veio a casar com Gomes Freire, seahor de Bobadela. Da primeira vez havia Gonçalo Vasques casado com Leonor Gonçalves de Azevedo, filha de Gonçalo Vasques de Azevedo, senhor da Lourinhã, e primeiro marichal de Portugal, e dela tivera os seguintes filhos:
i.° — Vasco Fernandes Coutinho, i.° conde de Marialva (Setembro de 1440) e marichal do reino. Foi progenitor dos demais Condes de Marialva e dos Marqueses do mesmo título (i i de Junho de 1661) com a varonia de Meneses; dos comendadores de Vaqueiros, dos de Caldeias e dos de Almou- rol; dos Condes do Redondo (2 de Junho de i5oo), os quais posteriormente tiveram a varonia de Castelo Branco e ultimamente a de Sousa Chichorro; dos Marichais do reino, dos Morgados de Pinhel, e doutros.
2.° — Fernão Coutinho, senhor de Basto e Montelongo, cuja descendência varonil em breve se extinguiu.
3.° — Álvaro Gonçalves Coutinho, o legendário Magriço.
4.*' — D. Álvaro Coutinho, bispo de Coimbra, segundo afirmam alguns nobiliários sem confirmação nos catálogos dos bispos daquela diocese.
5." — D. Fernando Coutinho, bispo de Coimbra pelos anos de 1425.
6.° — D. Luís Coutinho, bispo de Viseu e depois de Coimbra, a quem me tornarei a referir.
(i) Chancelaria de D. Fernando, liv. i.o, fl. io3.
(2) Chancelaria de D. João I, liv. 3.", fl. 149 v.
(3) Ibidem. — Esta carta é o único diploma de D. João I datado de Ceuta por mim até agora encontrado.
56 Brasões
7.° — D. Felipa Coutinho, que em 1420 se desposou com D. Pedro de Me- neses, capitão de Ceuta e futuro i.° conde de Vila Rial e 2.° de Viana, não se tendo chegado a reaHzar o casamento por a noiva morrer no mar, quando ia ter com o marido a Ceuta.
A varonia dos Coutinhos subsistia há pouco apenas na linha dos morgados de Â.rcoselo à qual pertencia o simpático Aj^ô dos janotas, D. José Coutinho de Lancastre, há poucos dias falecido (i).
D. Luís CoutinhO;^ acima mencionado, era bispo de Viseu pelos anos de 1438, sendo de lá transferido para o bispado de Coimbra em 1444, segundo dizem. Nesta qualidade acompanhou em 146 1 a infanta D. Leonor a Roma, quando foi casar com o imperador Frederico III (2). Afirmam igualmente os autores dos catálogos dos diversos prelados haver sido também D. Luís Coutinho arcebispo de Lisboa alguns meses do ano de 1453 (3); mas não acertam, porque êle não teve nunca a posse daquele arcebispado, nem se- quer nele foi confirmado, se para tal prelazia chegou alguma vez a ser eleito» Efectivamente aparecem duas cartas régias de 23 de Setembro e 9 de Ou- tubro de 1453 as quais esclarecem o caso. Pela primeira foi dada licença para andar em besta muar a um criado de D. Luís Coutinho, «bispo que foi de Coimbra» ; e pela segunda tomou D. Afonso V sob sua especial protecção a um escudeiro de «D. Luís Coutinho, bispo que foi de Coimbra, do nosso conselho, a que Deus perdoe» (4). Se êle houvesse sido arcebispo de Lis- boa, mesmo até apenas eleito, é certo que esta dignidade seria indicada nos- referidos diplomas.
A pessoa de D. Luís Coutinho encontra-se ligada, sem sólido fundamento, julgo, a uma lenda interessante. Na antiga estrada de Lisboa a Sintra, entre a quinta do Ramalhão e o lugar de S. Pedro, encontra-se, à esquerda de quem se dirige para a vila, um túmulo misterioso, com uma cruz latina es- culpida na tampa, quási de nível com o solo, e uma outra cruz alçada sobre uma pequena coluna na extremidade da campa. Não se sabe para quem o túmulo fosse construído, mas houve quem suposesse estarem nele recolhidos os restos de D. Luís Coutinho (5). Vamos ver se será possível e plausível.
Em 7 de Abril de i83o, por ordem de D. Miguel e na sua presença, mandou o Juiz de fora de Sintra abrir o referido túmulo e nele se encon-
(i) Escrevia eu isto em 6 de Dezembro de 188^.
(2) Rui de Pina, Chronica de D. Afonso V, cap. i32.
(3) P. ex. João Bautista de Castro, Mappa de Portugal, III, 128-129.
(4) Archivo histórico portugue^, III, pág. 229 e 23o.
(5) Abade de Castro, Antigualha das cercanias de Cintra^ no Panorama, vol. vi, pág. 359,
Coutinhos 57
traram os ossos de um indivíduo só, sem aparecerem quaisquer indícios que habilitassem a identificar a pessoa a quem aqueles restos pertenciam. No auto então lavrado e depois guardado no Arquivo da Câmara Municipal, de- clara o Juiz de fora, reportando-se a documentos existentes no Cartório da Misericórdia, constar: que «em 1409 já excedia a memoria dos homens a fundação do Hospital e Gafaria dos Lázaros no cabeço do Ramalão»; que nesse mesmo ano se fizera a divisão dos rendimentos das herdades do dito hospital, ficando ele com metade e sendo a outra metade atribuída ao de Cascais; e finalmente que no Tombo dos bens, que ficaram ao hospital de Sintra, rnandado fazer em 1450 pela rainha D. Leonor, mulher de D. João II, e concluído em 1452, se menciona «o caminho aonde existe o Monumento e Crus». Na verdade, quando examinei o cartório da Misericórdia de Sintra, encontrei estes documentos e, se as datas do último estivessem bem inter- pretadas, elas afastariam completamente a suposição de haver sido o túmulo construído para receber os restos de D. Luís Coutinho, vivo ainda em 1460 e 1452, visto que se deve entender ter falecido só em 1453, entre 23 de Se- tembro e 9 de Outubro, como indicam os dois diplomas acima extratados; as datas porem dos anos de 1430 e 1452 dentro dos quais se diz ter sido es- crito o referido Tombo, não são verdadeiras.
Foi êle feito por mandado e em nome de «Dona lianor per Graça de deos Raynha de portugal e dos algarues . . . e senhora de guinee». Corneça pelo contrato celebrado entre os hospitais de Sintra e de Cascais para repartição das rendas e continua com outras escrituras até entrar na demarcação das herdades do hospital, à qual se seguem mais escrituras, sem nunca se en- cerrar o Tombo e, portanto sem se declarar a data, a não ser no fim onde, de letra moderna, século xix, se lê: «Feito em 1450». Esta indicação porem está longe da verdade.
O ditado acima transcrito revela claramente, nas palavras senhora de Guine', tratar-se da rainha D. Leonor, mulher de D. João II e este soberano só começou a incluir aquele título no seu ditado em 1485 (i). Foi portanto o Tombo começado a escrever muitos anos, mais de trinta pelo menos, de- pois da morte de D. Luís Coutinho. A menção do túmulo naquele docu- mento não invalida pois a suposição dele ter sido feito para receber o corpo do Bispo de Coimbra. Na fl. 36 v. do Tombo começa a descrição e medi- ção do casal do Ramalhão, e na fl. Sy declara-se: «E ficam por partir E de- marcar ... os rressijos de junto das casas E outros grandes que vaam partir acima com o Ressijo do concelho honde estaa ó moj'mêto e cru:{i>.
(i) João Pedro Ribeiro, Dissertações, II, 204.
VOL. I
58 Brasões
Este monumento sepulcral estava no antigo cemitério dos gafos, como consta de uma determinação tomada pela mesa da Misericórdia em 12 de Julho de 1598: «que se concerte o mojmento dos lázaros que está no Rama- Ihão por ser memoria dos lázaros que estam nelle sepultados e esta casa ter obrigação de o ter sempre concertado» (i). Perto de um século depois, no dia I de Julho de 1673, deliberou a mesa da Misericórdia mandar «pôr húa cruz de Pedra na sepultura dos Lázaros, que está na estrada de Lisboa Junto a o Ramalão, por quanto esta casa tem obrigação de a reparar como admi- nistradora que hé do Hospital dos Lázaros, e ja esta S.'^ caza tinha mandado pôr a que furtarão, e se poz no anno de mil quinhentos e noventa e outo annos como se ue de híi termo no L.° 7.° dos Acord. f 96 e logo o dito P.^ . . . disse tinha mandado pôr a ditia cruz, e despendera nella mil e quinhentos rs.» (2).
Era pois por esses tempos neste sítio o cemitério dos Lázaros, correndo ao sul dele a antiga estrada para Lisboa, como declaram as confrontações da courela do Vai da Gafaria, mística ou pertença do casal do Ramalhão, onde era situado o cemitério (3). Com o andar dos tempos mud©u-se o leito da estrada mais para o norte e veio a cortar o cemitério, dando em resultado ficar o monumento sepulcral à beira dela.
O Abade de Castro, no artigo citado, não apresenta prova documental nem citação de fonte, como aliás é seu mau costume, e simplesmente declara que após «laboriosa investigação» pode presumir, com aparência de verdade, ser aquela sepultura a de D. Luís Coutinho. Diz ter-se êle afastado da corte quando em 1452 voltou de Roma, e ter-se recolhido a Sintra a tomar na sua serra os banhos de Santa Eufemia, procurando alívio ao mal da lepra, de que padecia, e já então andava muito adiantado.
A esta suposição parece, na verdade, dar tal qual fundamento o primeiro dos dois documentos acima citados relativos ao Bispo, a carta régia de 23 de Setembro de 1453. Por ela consta estar então D. Luís Coutinho definitiva- mente afastado da sua diocese, «bispo que foi de Coimbra», só podendo atri- buir-se o facto a moléstia, pois noutra prelasia se não encontrava investido.
Quanto à presunção de ter sido êle o gafo sepultado à beira da estrada de Sintra, tem ela certamente mais fundamento que a outra lenda do túmulo ser o de dois irmãos (4), a qual se desvaneceu quando, ao abri-lo, apareceu a ossada de uma pessoa só.
(i) Acordos da Misericórdia de Sintra, liv. 7.», fl. 96.
(2) Ibidem, liv. 1 3.", fl, 24 v.
(3) Cit. Tombo.
(4) Juromenha, Cintra pinturesca, pág. 114.
Coutinhos 59
Do i.° Conde de Marialva foi neto D. Francisco Coutinho, 4.° e último conde daquela vila na varonia dos Coutinhos, o qual por sua mulher, D. Bea- triz de Meneses, também foi conde de Loulé. Foram estes Condes enter- rados ambos na capela mor do convento franciscano de Santo António de Ferreirim, e sobre a sepultura lançaram este epitáfio: Aqui ja^ o Senhor D. Francisco Coutinho, Conde dos Condados de Marialva e Loulé, Mor- gado de Mdedelo e do Couto de Leomil, senhor de Castello Rodrigo, Alcaide mor de Lamego, Meyrinho mor deste Rej-no, Faleceo na Era de i532. E a Condessa sua mulher D. Brites de Meneses. Mandarão se aqui trazer a esta Casa de Santo António de Ferreyrim, aonde ja\em enterrados, por ser terra que seus Avos ganharão aos Mouros (i).
A data da morte do Conde de Marialva e Loulé, como se encontra no epitáfio, está errada. O Conde não morreu em i532, mas sim a 19 de Fe- vereiro de i53o, como declara um documento (2).
Estava aquele túmulo na referida capela mor do lado do evangelho, fron- teiro à porta da sacristia e por cima dele via-se um quadro do Descendimento da Cruz «de pintura primorosa», e era tudo encerrado num arco formado na parede, no fecho do qual estava o escudo das armas do Conde. Eram estas as cinco estrelas dos Coutinhos, tendo por timbre uma figura estranha com cara humana, e sobre êle atravessado um listão com esta divisa: SEGUIME POIS QUE SIGO TO DIGO (3).
As armas do Conde de Marialva encontram-se também na fl. 48 v. do Livro do Armeiro mor, onde se vêem pintadas desta maneira: Escudo pen- dido, de oiro, carregado de cinco estrelas de sete pontas de vermelho; elmo de oiro, cerrado, guarnecido de esmaltes vermelhos e verdes, posto de três quartos e forrado à ponta de azul; paquife de oiro forrado de vermelho; virol de oiro e vermelho; correia de azul, perfilada de oiro.
(1) Fr. Fernando da Soledade, Historia seráfica, IV, 352.
(2) Torre do Tombo, Gaveta 9, maç. 10, n.° 14.
(3) Memorias Sepiílchraes^ Qiie existem nos Conventos e Mosteiros desta Província dos Menores Observantes de Portugal; tiradas dos próprios lugares, aonde agora existem, e Es- criptas por Fr. António da Lu:( Fo!j[, Filho da mesma Provinda .Anno de lyS/. Ms. de que era possuidor, juntamente com outros dois análogos, formando uma interessante colecção, o antigo administrador da Imprensa Nacional, Venâncio Deslandes, que me fez o favor de me permitir deles extrair cópia. Encontra-se o indicado no texto na fl. 84 v.
Hl
CASTROS
BnASÓEs DA Sala de Sintra, VoI. k.
De azul, seis besantes de prata. Timbre: roda de navalhas de Santa Caterina, a roda de sua cor, as navalhas de prata.
Estas armas teem os esmaltes do escudo trocados, e não sei como se possa explicar tal erro em brasão tam conhecido, a não se atribuir à res- tauração da sala em tempos de D. Pedro II.
As armas destes Castros são: em campo de prata seis arruelas de azul. Assim se encontram no Livro do Armeiro mor, fl. 49, no Livro da Torre do Tombo, fl. 9 v., no Thesoiiro da Nobreza de Francisco Coelho, fl. 28, no Thesouro da Nobre:{a de Fr. Manuel de Santo António, c-54, etc.
O timbre aqui pintado é o privativo dos Castros do morgado de Penha Verde, e foi adoptado por D. Álvaro de Castro, filho do grande D. João de Castro, ilustre progenitor daquela casa. O comum é um lião nascente, ou de oiro, ou de prata, e umas vezes carregado com os móveis do escudo, ou- tras não. A casa de Monsanto dão geralmente por timbre um caranguejo de prata, carregado das seis arruelas do escudo.
As armas do Conde de Monsanto, como estão pintadas na fl. 49 do Livro do Armeiro mor, eram assim: Escudo pendido, de prata, carregado de seis arruelas de azul; elmo de oiro, cerrado, guarnecido de esmaltes vermelhos, e verdas, posto de três quartos e forrado à ponta de vermelho; paquife de prata forrado de azul; virol de prata e azul; correia de vermelho, perfilada de oiro.
I
PAZ DE ALCOUTIM
A 23 de Março de 1369, junto do castelo de Montiel, encontrou D. Pe- dro I de Castela a morte às mãos de seu próprio irmão.
é4 Brasões ,
Com o fratricídio Julgava Henrique II, que pacifico rei de Castela ficaria; não sucedeu porem assim, pois que a maior parte dos do bando do falecido rei se levantou com as cidades e vilas, que tinha em seu poder, tomando voz por D. Fernando, rei de Portugal. '
Da Galiza, onde principalmente se pronunciou o alevantamento, era a grande maioria dos fidalgos que procuraram a corte portuguesa, oferecendo a sua espada; por isso que, alem dos insubordinados, muitos outros passaram aquela fronteira, buscando um rei no de Portugal.
D. Fernando era então, iSôg, mancebo de vinte e cinco anos, «vallente, ledo, e namorado, amador de molheres, e achegador a ellas. Avia bem composto corpo e de razoada altura, fremoso em parecer e muito vistoso; tal que estando acerca de muitos homeens, posto que conhecido nom fosse, logo o julgariam por Rei dos outros . . . Era cavallgamte, e torneador, grande justador, e lamçador a tavollado. Era muito braçeiro, que nom achava ho- mem que o mais fosse; cortava muito com huma espada, e remessava bem a cavallo. . . Era ainda . . . muito caçador e monteiro» (i).
Liberal e de óptima índole, inteligente e sociável, procurava a convivên- cia, não só das damas, como de todos, sendo grande criador de fidalgos, e gostando de ver os seus paços sempre alegres e animados.
Perspicaz, foi o primeiro a perceber que Portugal era Lisboa, e que, em quanto o reino conservasse a capital, poderia esperar pela independência; mas que, perdida aquela, esta em breve acabaria para todo ele. Lisboa, «grande cidade de muitas e desvairadas gentes», mereceu-lhe pois particular atenção, ainda que muito afeiçoado lhe não devesse ser, por quanto dela teve de sair corrido, quando se espalhou a nova do seu casamento. Levantou-lhe a famosa e forte muralha, que tam útil foi em 1384, quando D. João I de Castela a veio cercar.
E não foi só para a capital, que olhou com desvelo. Tratou de desen- volver em todo o reino o comércio, favorecendo muito os mercadores; a agri- cultura e a população, mandando cultivar ou aforar os maninhos do Alentejo; a marinha, aumentando em grande escala e aperfeiçoando a construção dos navios.
^Com tam boas qualidades, a que ainda acrescia o amor da justiça, e com tam previdente governo, como é que ele e o seu reino foram infelizes? E porque algumas das quahdades de D. Fernando, levadas ao excesso, tor- navam-se em graves defeitos. Ao génio irresoluto e volúvel juntava exces- siva galantaria e prodigalidade. Em breve deu cabo dos tesouros acumula-
(1) Fernão Lopes, Chronica de D. Fernando, no prólogo.
Castros 65
dos durante séculos pelos seus predecessores, e sem dinheiro, e apaixonado, deixava correr tudo à revelia.
Tam depressa era pelo Conde de Trastâmara contra Pedro o Crú, como se aliava com os Reis de Aragão e Granada contra o Conde, já rei de Cas- tela. Vencido c obrigado em iSyi a fazer as pazes com Henrique II, Jun- tava-se ao novo amigo contra o antigo aliado de Aragão, dando lugar a este lhe ficar com a avultada quantia, que D, Fernando lá tinha, destinada ao soldo das tropas auxiliares.
Depois, desprezado o casamento com a filha do Castelhano, e projectada a aliança com os Ingleses, inimigos daquele, não tem tempo de ultimá-la, porque D. Henrique II, avisado de seus projectos, invade novamente o reino em iSyS. Outra vez vencido, consegue livrar-se por meio de uma paz menos desairosa ainda, do que era de esperar.
Morto D. Henrique, realiza a projectada aliança com os Ingleses contra D. João I de Castela; pouco depois porem de encetada a guerra, já aborre- cido, trata secretamente das pazes com os Castelhanos, abandonando ou aliados.
Como era com os de fora, assim procedeu com os de casa. Na mão sempre daqueles a qUem se afeiçoava, por eles completamente se deixava guiar. Primeiro foi o conde D. João Afonso Telo, depois a sobrinha deste, a rainha D. Leonor Teles.
Não se cuide que o povo, apesar do muito que por causa dele padeceu, o odiasse. Não. Tratava-o como uma criança amimada, a quem os bon- dosos pais, depois de ralharem, afagam e ameigam de novo.
É como o povo d'então o historiador de hoje. Não pode deixar de sim- patizar com as brilhantes qualidades deste Rei, tam defeituoso muito embora, mas tam bom, tam previdente, quando antevia no desenvolvimento da mari- nha nacional o futuro engrandecimento do seu país.
Volvamos à narrativa, ao que se passou em 1869 em seguida ao assassínio de D. Pedro de Castela.
D. Fernando, crente no que os fidalgos castelhanos da sua parcialidade lhe diziam, e que o valido d'então confirmava, asseverando-lhe, que, «quando menos se precatasse», todo o reino de Castela era seu, invadiu a Galiza. Considerando a sua entrada, em vista daquela afirmação, como uma marcha triunfal, não foi prevenido para sérias resistências, e efectivamente não as encontrou na província, que estava quási toda por êle.
De Tui, onde pouco se demorou, passou à Corunha; e aí sucedeu um facto digno de reparo.
Era essa vila composta unicamente de pescadores e de gente ordinária, sendo o principal da terra um João Fernandes Andeiro. Como se receasse
VOL. I 9
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um tanto das intenções de seus moradores, avançou el Rei e a comitiva com cautela, parando a distância das portas da Corunha.
Saíram os moradores trazendo à frente João Fernandes Andeiro, que alegre acorria, bradando: «Hu vem aqui meu senhor el Rei Dom Fer- nando?»
«Eu som, eu som», acudiu pressuroso el Rei, chegando as esporas ao cavalo e adiantando-se aos mais. E pela primeira vez beijou Andeiro a maò a el Rei de Portugal.
iQuem diria então, ao ver aquele escudeiro de pobre vila de pescadores, que ele viria um dia a ser conde de Ourem e a calcar no coração da sua formosa Rainha o amor daquele Rei, tam gentil e garboso!
Na Corunha permaneceu D. Fernando, entretendo-se na larga distribuição de privilégios e isenções às povoações que a sua voz tomavam; e na profusa repartição dos haveres dos contrários pelos que eram seus parciais, os quais, não poucas vezes, unicamente com esse fito o procuravam. Mandou cunhar moeda, enviou cartas a diferentes cidades, intitulando-se Rei delas, e soce- gadamente, caçando pelas vizinhanças, esperou a tal ocasião em que se lhe entregasse Castela toda, «quando menos se precatasse».
O desengano veio rápido e assustador. Henrique II com Du Guesclin e os seus Bretões levanta o cerco de Samora, e avança a marchas forçadas sobre a Corunha.
Não entrava isto nos ajustes. D. Fernando viera a receber preitos e ho- menagens, mas cutiladas não. Os amigos Galegos aguentem-se como pode- rem, que el Rei de Portugal tem suas galés ancoradas na baía, o mar está chãO; e o Porto não é longe. Levantar ferro e andar.
D. Henrique sabedor desta prudente retirada, e certo de que, vencido D. Fernando, sem custo reduziria a Galiza, entrou pela província do Minho, preferindo guerrear em reino estranho.
Talando e arrasando campos e povoados chegou a Braga, que logo capi- tulou. D'aí dirigiu-se a Guimarães, a que, em i de Setembro deste ano de 1369, pôs cerco. Em breve porem o levantou, por lhe chegarem novas de como Algeciras caíra em poder dei Rei de Granada, que a arrasara. Pela província de Trás os Montes fora, obrando comO raio vingador de um deus de extermínio, regressou a Castela.
Entretanto D. Fernando andava indeciso, de uma parte para a outra, por forma tal que Já o povo lhe cantava:
Eis vello vai, Eis vello vem De Lisboa Pêra Santarém.
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Depois da partida de D. Henrique, continuou ainda a guerra por terra e mar com vários sucessos, mas todos de pouca monta, até se celebrarem as pazes, em Alcoutim, a 3i de Março de 1371, pelas quais D. Fernando largou todas as terras que tinha na Galiza. E a confiança, que mereciam estas pazes, com o casamento tratado e com os muitos Juramentos, que por oca- sião delas se fizeram, a classificaram alguns da corte por um rifão apimen- tado, que Fernão Lopes refere, e que nem em latim se poderia aqui pôr (i).
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CASA DE MONSANTO
Entre os fidalgos galegos, que seguiram a parcialidade dei Rei de Portu- gal, distinguiam-se D. Fernando Rodrigues de Castro, conde de Trastàmara, Lemos e Sárria, e seu meio irmão D. Álvaro Pires de Castro.
Eram estes fidalgos filhos de D. Pedro Fernandes de Castro, o da Guerra, rico homem, senhor de Lemos e Sárria, adiantado mor da fronteira e mor- domo mor de Afonso XI de Castela; o primeiro porém legítimo, o segundo bastardo.
Alem destes dois filhos teve o da Guerra duas filhas, sendo igualmente uma legítima, e a outra natural. A legítima foi D. Joana de Castro com quem D. Pedro I de Castela casou, ainda em vida da rainha D. Branca sua mulher. Abandonada no dia seguinte ao do casamento pelo rei, que nunca mais a tornou a ver, continuou D. Joana contudo a intitular-se rainha de Castela. A natural foi a desventurada D. Incs de Castro, com quem D. Pedro I de Portugal afirmou ter casado secretamente.
D. Álvaro Pires de Castro permaneceu em Portugal depois da paz de Alcoutim, e subiu ao fastígio das honras e dignidades.
Em I de Junho de iSyi recebeu o título de conde de Viana da Foz do Lima, Caminha de Riba de Minho e Aldeia Galega a par de Alenquer (2), título pouco tempo depois mudado no de conde de Arraiolos (3). Em i382 foi feito condestável, sendo o primeiro que houve em Portugal. Como alcaide mor de Lisboa defendeu a cidade do cerco, que em 1373 lhe pôs D. Hen- rique 11; e na qualidade de fronteiro resistiu em i38i ao sítio, que os Cas- telhanos puseram a Elvas caudilhados pelo seu próprio sobrinho o infante
(i) Fernão Lopes, Chronica de D. Fernando, cap. 23 c seguintes. O rifão, quem o quiser ver, encontra-o nó fundo da pág. 233.
(2) Chancelaria de D. Fernando, liv. i.», fl. 73.
(3) Já com este título aparece em uma carta de escambo de 8 de Julho de 141 3 (ujS). — Chancelaria de D. Fernando, liv. i.", fl. 171.
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D. João. A este enviou o Conde dizer, assim que teve novas da chegada dos Ingleses, que, se precisasse dalgumas mercadorias de Inglaterra, apro- veitasse a ocasião para as mandar buscar a Lisboa, pois lá estavam umas poucas de naus inglesas, dando azo com o aviso ao imediato levantamento do cerco.
Por morte de D. Fernando ligou-se o Conde de Arraiolos ao partido con- trário a el Rei de Castela, bando de que era chefe o Mestre de Avis; sempre porém irresoluto e receoso, veio a falecer de morte natural, durante o cerco de Lisboa, alguns dias depois de 1 1 de Julho de 1384.
A este homem foram prodigalizadas as honras e as mercês (i), mais de-
(i) Diplomas registados na Chancelaria relativos ao Conde de Arraiolos: Álvaro Pires de Castro, nosso leal vassalo, fazemolo conde das nossas vilas e castelos de Viana da Foz de Lima, de Caminha de Riba de Minho e de Aldeia Galega apar de Alan- quer, as quais vilas e termos delas. queremos que sejam cabeça do condado, as quais vilas e castelos e termos delas queremos e outorgamos que haja o dito Conde e os Condes [que] depôs dele vierem, com todolos moradores e pobradores delas, com toda jurdição, alta e baixa, mero e mixto império, e com os portos do mar das ditas vilas e dos termos delas, e com o dízimo de todalas cousas que foi sempre acustumado levarem os Reis que ante nós foram, assi das que vêem per mar, como per terra, e com alfolinhagem e portagem e cas- telagem e martinhega e todolos outros direitos que os Reis costumavam e de direito so- hiam avcr nas ditas vilas e castelos . . . e damos lhe poder ao dito Conde que faça e possa hi fazer tabeliães e juízes aqueles que vir que compre, etç. Santarém, i de Junho, era de 1409 (1371). Liv. 4.0 de D. Fernando, fl. 1 t. — Conde de Viana, doação de Arraiolos e Pavia, em pagamento de sua contia, 4 de Novembro, era de 1409 (iSyi). Ibid., liv. i.*, íi 82V. — Conde D. Álvaro Pires de Castro, carta de entrega do castelo de Lisboa. Era de 1411 (iSyS). Ibid., Pi. 121. — Doação dos direitos do pão das lezírias de Alfimara e da Malveira, em pagamento de sua contia, para servir com certas lanças. Lisboa, 8 de Agosto de 141 1 (iSyS). Ibid., íl. i33. — Escambo, recebendo o Conde a vila de Odemira e seu termo, confis- cada ao almirante Lançarote Pessanha por desserviço, e mais o reguengo de Cantanhede, dando em troca os reguengos de Campores do Rabaçal, que lhe haviam sido dados com a vila e castelo de Arraiolos, com Pavia e Aldeia Galega, por condado, em escambo por Viana e Caminha, juntando-se ao condado OJemiia e o reguengo de Cantanhede. Santarém, 8 de Julho de.1413 (1375). Ibid., íi. 171. — Novo escambo, recebendo o Conde todos os bens con- fiscados por dívida ao contador Antoninho Martins, em troca da vila e termo de Odemira. A dos Negros, 6 de Outubro de 1413 (iSjS). Ibid., fl. 177. — Conde de Arraiolos, doação de todos os bens de João Esteves de Moreira, de Coimbra, que os perdeu por traição. Santarém, 9 de Julho de 1415 (1377), Ibid., liv. 2.° íi. 21 v. -- Conde de Arraiolos, senhor da vila, carta -áe convenção com os seus moradores em virtude de queixas contra ele, família e servidores. Évora, 3o de Janeiro de 141S (i38o). Ibid., íi. 55 v. — Carta de doação de Ferreira de Aves, confiscada a Diogo Lopes Pacheco. Portalegre, 25 de Maio de 1418 (i38o). Ibid., fl. 64 v. — Esta vila de Ferreira largou logo ao alferes mor Aires Gomes da Silva, que já dela era se- nhor, quando em i de Julho daquele ano foi dada carta d« privilégios aos seus moradores. Ibid.^ íi. 65. — Carta de padrão de seiscentas libras. Lisboa, 6 de Agosto de i-j2i (i383). Ibid.,
Castros 69^
vidas à sua qualidade de irmão de D. Inês de Castro e à afeição de D. Leonor Teles, do que ao próprio mérito.
O Conde de Arraiolos foi sepultado na igreja de S. Domingos de Lisboa, na capela de S. Jacinto junto aò altar da parte do evangelho, em um túmulo pequeno, com este epitáfio: Aqui j as dÔ Álvaro Peres de Castro primeiro condestable deste Refno e a condessa dona Maria Ponse sua molher. Junto a esta caixa estava outra do mesmo tamanho e feição com o seguinte letreiro: Aqui jas dô Pedro de Castro Jilho mais velho e susesor de dom Álvaro Peres de Castro primeiro condestavel deste Rejno (i). Defronte destas duas via-se, na mesma capela, ainda outra sepultura em tudo semelhante às precedentes, menos na inscrição que era esta: Aqui jas dô João de Castro Jilho mais velho e successor de dõ Pedro de Castro neto de dÕ Álvaro Peres de Castro pri- meiro Condestable deste Rejno.
Pela banda de cima de cada um destes túmulos havia um escudo com seis arruelas, variando contudo lodos eles nos timbres. No de D. Álvaro era uma roda de navalhas, no de D. Pedro, um pavão, no de D. João, uma capela florida (2).
D'aqui deveria depreender-se que muito antes de D. Álvaro de Castro, filho do grande D. João de Castro, ter adoptado o timbre da roda das nava- lhas, já outro seu antepassado bem remoto o tinha tomado; mas não o creio, nem o que lá estava em S. Domingos, se estava, deve fazer fé, por ser obra muito mais moderna. As tais caixas metidas na parede não foram decerto os primitivos túmulos daqueles fidalgos. Houve uma trasladação, não sei quando, e foi então que puseram as armas e os tais timbres; e como cons- tava que um D. Álvaro tinha escolhido para si o da roda, atribuiram-no ao D. Álvaro, cujos ossos recolhiam então.
Do Conde de Arraiolos provieram todos os Castros chamados de seis arruelas, exceptuando os Castros de Melgaço. Daqueles foram ilustres che- fes os senhores do Cadaval, cuja casa se fundiu por casamento na de Bra- gança.
liv. 3.", fl. 85. — Carta de 2 de Maio de 1422 (1384) pela qual D. João I tirou ao conde D. Ál- varo Pires a jurisdição da vila de Arraiolas, ordenando que d'ali em diante os seus mora^- dores só respondessem perante as justiças reais, ficando o donatário apenas com os direites patrimoniais, etc. Liv. ifl de D. João 7, fl. 18 v.
(i) Este D. Pedro de Castro foi senhor do Cadaval e marido de D. Leonor de Meneses, filha dos !.•• Condes de Ourem. ,
(2) Meinorias Sepulchraes que para beneficio da Historia de Portugal offereceu á Aca- demia Real D. Automo Caetano de Sousa, fl. 97 e 97 v. — li outro dos três códices que per- tenceram a Venâncio Deslandes aos quais já me referi na nota (3) de pág. .'9.
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Deles não foram menos ilustres os ramos dos Condes de Monsanto (21 de Maio de 1460), os quais, com a varonia de Noronha, receberam o titulo de marqueses de Cascais em 19 de Novembro de 1643; o dos senhores do paul do Boquilobo; o dos do morgado de Penha Verde; e outros.
A todas as glórias desta família sobreleva a de ter produzido D. João de Castro, herói cuja fama bastará para tornar imorredoiro o nome de Castro. Dele são representantes os Condes de Penamacor com a varonia de Salda- nha.
A varonia dos Castros de seis arruelas está desde muito extinta, a não ser que permaneça em algum ramo obscuro e ignorado.
III
CASTROS DE MELGAÇO
Não há plausibilidade nenhuma na dedução destes Castros dos prece- dentes apesar de usarem das mesmas armas, facto muito vulgar em Portugal já até no século xvr, com.o atesta Garcia de Resende na décima 23 1 da sua Miscellanea:
pois toma dom quem o quer, e armas nobres também toma, quem armas não tem
Derivam-nos de uns Castros galegos, senhores de Fornelos; é porem fantasia genealógica, sem base em documentos nem memórias coetâneas de nenhuma espécie.
Martim de Crasto, cavaleiro da casa do conde de Barcelos D. Afonso, o futuro i.° Duque de Bragança, serviu denodadamente em Ceuta desde o ano de 1416, e no de 1419 ajudou a defender a praça do apertado cerco posto pelos Moiros. Do seu valor dá testemunho Azurara em vários pontos da Chronica do Conde D. Pedro. Foi alcaide mor de Melgaço e nele co- meça o Nobiliário de D. António de Lima a geração destes Castros. Casou com Leonor Gomes Pinheira, filha de Martim Gomes Lobo, ouvidor das terras do referido Conde de Barcelos, e de sua mulher Mor Esteves. Os filhos e netos de Martim de Crasto continuaram a servir a casa de Bragança, que durante umas poucas de gerações manteve os primogénitos na alcaidaria mor. O 3.° alcaide mor de Melgaço, Pedro de Castro, neto do i.°, serviu a casa de Bragança e casou com D. Beatriz de Melo, filha de João de Melo, comendador de Casével; em atenção a esta senhora juntaram muitos de seus descendentes o apelido de Melo ao de Castro. Destes Pedro de Castro e
Castros 71
D. Brites de Melo foi filho segundo Francisco de Melo e Castro, alcaide mor do castelo do Oiteiro, criado da casa de Bragança, o qual foi avô de Jeró- nimo de Melo e Castro, governador do castelo de S. Felipe de Setúbal, o qual de sua mulher D. Maria Josefa Corte Rial teve primeiro filho a João de Melo e Castro, e depois a Denis de Melo e Castro.
João de Melo e Castro foi avô de Manuel Bernardo de Melo e Castro, visconde da Lourinhã em 3o de Agosto de 1777, e de Martinho de Melo e Castro, ministro da marinha desde 12 de Julho de 1770 até morrer em 24 de Março de 1795, O Visconde da Lourinhã faleceu em 19 de Agosto de 1792, havendo casado em 1771 com D. Domingas Isabel de Noronha, á le- gendária doente de depravação do paladar, a qual depois de viúva foi con- dessa da Lourinhã. Não tiveram filhos.
Denis de Melo e Castro, um dos grandes generais do seu tempo, serviu em vários postos nas guerras da Aclamação, e em 1705, sendo governador das armas da província do Alentejo, tomou as praças de Valência de Alcân- tara e Alburquerque. Foi dos conselhos de Estado e Guerra, e 1.'' conde das Galveias, por carta de 10 de Dezembro de 1691. Foi pai de Pedro de Melo e Castro, 2." conde das Galveias, de quem foi filho o 3." Conde e irm.ão o 4.°, ambos falecidos sem geração, este em 1763, o outro em 1777, extinguin- do-se então a casa.
Do i.° Conde das Galveias também foi filha D. Maria Josefa de Melo Corte Rial, que casou com D. Luís de Almeida Portugal, i." alcaide mor de Borba. Foram bisavós de D. João Vicente de Almeida Melo e Castro, 5.° conde das Galveias, título renovado na sua pessoa por carta de 2 de De- zembro de 1808. Havia sido ministro dos Estrangeiros e da Guerra em 1801, e veio a ser ministro da Marinha e Ultramar no Brasil, desde 18 de Janeiro de 1809, até morrer em 1814. Sucedeu-lhe seu irmão D. Francisco de Almeida Portugal de Melo e Castro, 6.° conde das Galveias por carta de 8 de Fevereiro de 1818, 4.° couteito mor da casa de Bragança na sua família, enfermeiro mor do hospital de S. José, onde a sua administração ainda é recordada. Foi avô do 8.° Conde das Galveias da varonia de Almeida. O actual Conde é neto deste por uma sua filha.
As armas dos antigos Condes das Galveias eram: Partido: o í de prata, seis arruelas de azul (Castro); o II de vermelho, seis besantes de prata entre uma dobre cruz e bordadura de oiro (Melo). Coroa de conde. Timbre: lião nascente de oiro.
As armas dos modernos Condes das Galveias eram: Esquartelado; o I de vermelho, seis besantes de oiro entre uma dobre cruz e bordadura do mesmo (Almeida); o II de prata, aspa de vermelho carregada de cinco es- cudetes das armas do reino, e entre eles quatro cruzes de prata, floridas e
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vazias (Portugal); o III de prata, cinco lobos passantes de negro, armados e linguados de vermelho (Lobo); o IV partido de Castro e de Melo, como acima ficam descritas. Coroa de conde. Timbre; águia de vermelho, car- regada de nove besantes de oiro, três no peito e três em cada aza. As armas do actual Conde não sei como são, nem isso interessa.
IV ATAÍDES
V©I.. I
10
I
iífiAsÓEs DA Sala de Síntpa, Vol. i.
De azul, quatro bandas de prata. Timbre: onça passante de azul carre- gada no corpo das peças do escudo.
Assim se encontra este brasão no Livro do Armeiro ?nor, fl. 49 v., no Livro da Torre do Tombo, fl. 9 v., no Thesoiiro da Nobreza de Fr. Manuel de Santo António, a-5o, etc.
No timbre é que, concordando todos, menos o primeiro que os não traz, em ser ele uma onça carregada das peças do escudo, se apresentam contudo variedades, quer no esmalte, quer na posição.
I
CAPITULAÇÃO DE CHAVES i386
Vencida a batalha de Aljubarrota a 14 de Agosto de i385, permaneceu D. João I no campo os três dias do estilo. Ao terceiro, não se podendo já suportar o fétido dos cadáveres insepultos, levantou el Rei o campo e, man- dando enterrar dos inimigos unicamente o conde D. João Afonso Telo, que fora o azador da batalha, marchou direito a Alcobaça. Abraçado seu bom amigo o abade D. João de Orneias, continuou D. João I o caminho para Santarém, onde permaneceu até meado Setembro.
Quando porem o exército passara à ponte da Chaqueda, já perto do con- vento, encontraram o cadáver, muito desfigurado pelos ferimentos e muito decomposto, de Rui Dias de Rojas, cavaleiro castelhano (i). Fora ele ca-
(i) Ayala não nomeia este fidalgo entre os Castelhanos falecidos na batalha e nos no- biliários espanhóis, que consultei, o único Rui Dias de Rojas que encontrei, podendo ter falecido então, foi o senhor de Ia Bellota, primeiro marido de D. Leonor de Toledo. Como
y6 Brasões
sado com D. Leonor de Toledo, cuvilheira de D. João I de Castela. Tinha ' esta senhora por obrigação defumar as roupas riais; e se, em quanto isto íazia, alguns fidalgos entravam na câmara, costumava logo alçar-lhes os saios ou fraldões e, defumando-os, dizer-lhes: «Todos ireis defumados de bons odores delRey meu senhor: pêra perderdes os mãos cheiros, que saem destes chamorros, das casas hú vivem, e aldeãs hú moram» (i).
Tinha sucedido ter D. Leonor ficado prisioneira do fidalgo eborense Diogo Lopes Lobo, que a levava consigo: e ao passar da ponte, apesar do estado do cadáver, reconheceu ela o marido e desatou a chorar. O caso não era para menos, pois a sua situação de triste se tornara tristíssima. Algum Por- tuguês de coração mais duro, ou que a alcunha de Chamorro mais na me- mória trazia, vendo-a naquele estado em vez de se condoer, escarneceu dela preguntando-lhe: «Digo, boa dona, que sam das vossas defumaduras, que púnheis sob as faldas aos cavaleiros? mister avia agora vosso marido húas poucas delas, que tam mal cheira alli hu jaz».
; Pobre viúva! Mas, ainda assim, leitor amigo, não te entristeças mais do que o caso requer, porque ela, ao cabo de pouco tempo, se consolou nos braços do gentil cavaleiro messire Robert de Braquemont, seu segundo ma- rido.
D. João I em Santarém, apesar das alegrias dos festejos e dos cuidados nas disposições e providências de todo o género, que havia a tomar, não se esquecia da promessa feita antes da batalha. Consistia ela, nem mais nem menos, do que em ir a pé em romaria desde o campo da batalha até à igreja de Santa Maria de Guimarães, d'ali a quarenta léguas.
Chegada a ocasião propícia partiu de Santarém, já acompanhado pelos cem besteiros, que determinara compusessem de futuro a sua guarda, e, ou- vida missa no campo da batalha, encetou a romaria a pé. Terminadas as orações e distribuídas as esmolas, que resolvera dar, passou-se para o Porto.
Logo em seguida à batalha Rial muitas das praças e vilas, que estavam pelos Castelhanos, tomaram voz por D. João \\ algumas porém permanece- ram ainda levantadas, e a estas resolveu o novo rei reduzir, começando por Chaves, praça muito importante da província de Trás os Montes. Era seu alcaide mor Martim Gonçalves de Ataíde, criatura de D. Leonor Teles, que lhe fizera o casamento com Mecia Vasques Coutinho, irmã de Gonçalo Vas-
esta senhora porem fosse filha. de D. Leonor de Ayahi, irmã do cronista D. Pedro Lopes de Ayala, parece incrível que este não tivesse conhecimento da morte do sobrinho. É verdade, que poderia omitir-lhe o nome para não alongar a triste lista.
(i) Chamorro era um epíteto injurioso, com que os Castelhanos designavam os Portu- gueses.
Ataídes 77
quês Coutinho, o do combate de Trancoso, à qual a Rainha dera como dote a alcaidaria mor.
Fora Martim Gonçalves um dos fidalgos, que em Janeiro de i384 beija- ram a mão dei Rei de Castela, o qual seguidamente o despediu para que, persistindo em Chaves, mantivesse sua voz em toda a grande parte da pro- víncia de Trás os Montes, pela dita praça dominada. O Alcaide mor con- servou-se na sua alcaidaria, apercebendo-se para todas as eventualidades, e só desamparou o castelo quando, em Maio de 1384, acompanhou o Arcebispo de Santiago na sua incursão em direitura ao Porto. Por este motivo foram- -Ihe confiscados todos os bens por carta de ib de Junho de i385, e deles foi feita doação a Fernando Afonso de Mascarenhas (i).
O castelo estava bem apercebido de armas, mantimentos e provisões de guerra; e às oitenta lanças de bons escudeiros, e aos besteiros e peões, que em número suficiente já lá havia, vieram juntar-se mais trinta lanças, e bom número de besteiros e peões, que de Galiza levara Vasco Gomes de Seixas. Petrechos também não faltavam, pois tinham um pequeno trom e uma cu- berta, ou engenho de atirar pedras, com o qual sabiam tam bem manejar, que, despedindo numa noite trinta pedradas contra a segunda bastida levan- tada pelos sitiantes, só três não acertaram nela. De água é que estavam mal, por a nativa ser de caldas, e a do Tâmega passar fora das portas.
Cônscio da fortaleza das muralhas, e da boa posição e conveniente aper- cebimento do castelo, e confiado no próprio esforço e no da guarnição, altivo repeliu Martim Gonçalves de Ataíde a intiniaçãp, que D. João I lhe mandou, para entregar a vila e tomar a sua voz. Em vista da repulsa, só restava a el Rei o meio das armas para reduzir a praça. Com este intento, e depois de uma escaramuça para reconhecer as posições em torno dela, pôs-lhe D. João I o assédio em princípios de Janeiro de i386.
Acampadas e dispostas convenientemente as tropas para fechar o cerco. e armados os engenhos, mandou atirar aos muros da vila e ao. castelo, es- colhendo de preferência para alvo, já com segundo sentido, as fortificações mais próximas do Tâmega. Vendo as el Rei bastante danificadas, mas vendo também que o sítio se protraía, e sabendo que pela falta de água poderia reduzir a vila mais depressa e sem grande derramamento de sangue, que de ambos os lados era português, tratou de a isolar do rio. •
Para isso mandou D. João í levantar um castelo de madeira, a que cha- mavam bastida, e esta era de três andares e foi construída junto à velha ponte romana em frente das duas torres, que ladeavam a porta da vila fron-
(i) Fr. Manuel dos Santos, Mouarchia lusitana^ VIII, pág, 729. — Já a 1 de Agosto do ano precedente fôra-lhe confiscada Gouveia e outra ten a. Ibid.^ pág. 594.
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teira à ponte. A bastida era revestida de caniço e carqueja, para incólume resistir aos tiros de pedra, e, bem guarnecida de besteiros e homens de ar- mas, proibia completamente aos sitiados o provimento da água.
Era este o mais terrível dos males que os afligia, dos quais só era isenta Mecia Vasques, mulher do Alcaide mor, pois que a ela, em atenção a ser irmã de Gonçalo Vasques Coutinho, um dos seus capitães, consentia el Rei se lhe mandasse todos os dias um cântaro de boa água. Os cavaleiros por- tugueses sempre foram galantes com as damas.
Foi pois para a bastida, que convergiram os esforços dos sitiados e si- tiantes, uns atacando-a, outros defendendo-a; e para que estes, com mais diUgência e ardor a guardassem, eram frequentes vezes revezados. Um dia, estando a guarda dela entregue ao senhor de Vila Flor, Vasco Pires de Sampaio, chegado o serão recolheu-se ele ao arraial para ciar, descuidado de qualquer sortida que os de dentro fizessem. Em tam má hora porém se ausentou que os sitiados, notando o desamparo da bastida, saíram numerosos e, munidos de matérias inflamáveis, lançaram-lhe fogo, que, atiçando-se no revestimento de caniço e carqueja, em menos de três credos a consumiu de todo, e puderam eles á vontade matar a sua sede.
Abandonado o projecto de reduzir a vila pela falta de água, construiu-se nova bastida, mais .forte, maior e mais próxima do arraial. Desta não ces- savam dia e noite os tiros de pedras e setas, os quais, por ela ficar padrasto à muralha fronteira, causavam grande dano nos defensores e nos muros e casas. Os sitiados defendiam-se como podiam; mas os seus engenhos, por de mais curto alcance, pouco prejuízo causavam aos sitiantes.
Entretanto prolongava-se o assédio, e a quadra era de tanta friagem, caindo a neve tanto a miúde e tam basta, que no regresso de uma das muitas correrias feitas em terras de Galiza morreram de frio na serra uns poucos de soldados e moços. Além da intempérie havia a necessidade de reduzir várias outras povoações da província, as quais, raantendo-se por el Rei de Castela, incomodavam as nossas tropas; e havia igualmente o perigo deste soberano juntar forças e vir descercar a vila. Era pois urgente apressar o acometimento da praça, reforçando o campo, para o que mandou D. João I convocar, além do Condestável e outros fidalgos, a vários concelhos.
Um destes foi o de Lisboa, que logo, com a maior prontidão e boa von- tade, pôs em pé de guerra e em marcha duzentas e dez lanças, duzentos e cinquenta besteiros, duzentos homens de pé, dois trombetas, três alveitares, dois ferradores, dois seleiros, dois correeiros, e um jogral. A esta gente deu por capitão o anadel mor Estêvão Vasques Felipe, levando a bandeira da cidade o alferes dela, Gonçalo Vasques Carregueiro. Determinou mais este nobre concelho, que os homens de cavalo levassem um L de prata sobre
Ataides
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a libré, e que todos fossem já pagos dos três meses de Março, Abril e Maio.
Causa imenso contentamento ver a dedicação dos povos pelo seu rei, pelo seu escolhido, pelo primeiro rei nacional em suma. E não era só Lisboa. Era o Porto, era Coimbra, era Santarém, era a grande maioria das povoa- ções, que não estavam sujeitas a alcaide mor ou a senhor, pois que D. João I teve de lutar principalmente contra a nobreza. ^ Quantos nobres foram obri- gados pela arraia miúda a entregar os seus castelos.? Que o digam Beja, Portalegre, Estremoz, Évora, Arronches, e outras terras.
No mesmo dia chegaram a Castelões, onde el Rei os fora receber, o Con- destável com algumas lanças, adiantando-se ao corpo de suas tropas, e o contingente do concelho de Lisboa. Devia ser grande o prazer de D. João I ao ver o seu dedicadíssimo Nun'Alvares, e os soldados tam bem corregidos da cidade, que fora o baluarte da sua causa, e sua companheira de privações e receios, durante aqueles tristes e angustiosos dias do cerco; porque nós tomamos sempre maior afecto àqueles, que participam as nossas aflições e trabalhos, do qiie.aos companheiros do prazer e descanso.
Vendo Martim Gonçalves de Ataíde os reforços recebidos e os preparos para o assalto, receoso de ser entrada a vila por força de armas, preitejou, isto é, capitulou a entrega de Chaves. As condições eram esperar quarenta dias por socorro dei Rei de Castela, a quem avisariam e, não vindo auxílio, sairiam com armas e haveres. A tomada da praça era inevitável, ^'mas para que arriscar mais sangue.-^ D. João I aceitou a capitulação, recebendo em reféns um dos filhos do Alcaide mor.
Correndo os quarenta dias penetravam a miúde na vila os parentes e amigos de Martim Gonçalves e de Mecia Vasques, a vê-los e falar-lhes. Ora, uma vez que os foi visitar Afonso Madeira, escudeiro seu amigo, pre- guntou-lhe o Alcaide mor:
« — Que faz lá esse vosso Mestre?
« — Não sei o que faz — respondeu o Escudeiro — mas parece-me que fez pivolas para vos obrigar a sair d'aqui para fora à força.
« — O demo que lhe agradeça essa física».
E mudaram de conversação.
Sendo a resposta dei Rei de Castela, que entregasse a vila, tratou o Al- caide mor, nestes últimos dias, de pôr sua mulher e filhos em Monterey, e, terminado o praso, fez entrega de Chaves a D. João I em fins de Abril de i386, havendo já perto de quatro meses que se lhe pusera o cerco (i).
(i) Fernão Lopes, Chronica d'elrei D. Fernando, cap. 65; Chronica de D. João I^ p. 2.'% caps. 62 a 66 e 69.
8 o Brasões
Saiu da vila Martim Gonçalves de Ataíde, entre os acostumados apupos e motejos, caminho do desterro, d'onde nunca mais voltou, sobrevivendo poucos anos à capitulação de Chaves. Em 23 de Setembro de rSgi era já falecido, pois que por carta dessa data mandou D. João 1 restituir à sua viúva e filhos todos os bens, por ambos os cônjuges possuídos ao tempo da morte dei rei D. Fernando (i).
II
LINHAGEM
Era Martim Gonçalves de Ataíde fidalgo de boa casa e de ilustre ascen- dência. Sobre a origem remota de sua família há opiniões encontradas e nenhuma, a dizer a verdade, fundada em base segura. Consta contudo, que seu bisavô Gonçalo Viegas possuía em 1290, entre outros bens, a quinta do Pinheiro na freguesia de S. Pedro de Ataíde, julgado de Santa Cruz de Ri- batâmega, actual concelho de Amarante. Provouse que esta quinta havia já sido de seus antepassados e era honrada, e que, além dela, possuíam em honra toda a freguesia (2). Por aqui se mostra ser a família já antiga e haver sido esta freguesia de S. Pedro de Ataíde, honra possuída pelos seus pro- genitores, que dera o apelido à linhagem.
De sua mulher Mecia Vasques Coutinho, que depois de viúva foi aia dos
(i) Chancelaria de D. João I, liv. 2.", fl. 60 v. Diz a carta: Mecia Vasques Continha, mulher que foi de Martim Gonçalves de Ataíde, ela e seus filhos hajam todos os bens e quintas e herdades, que o dito Martim Gonçalves e a dita Mecia Vasques haviam por seus, e como seus, ao tempo da morte de D. Fernando, e os metam logo de posse, não embar- gando havermos feito mercê e doação dos ditos bens a Gonçalo Vasques Coutinho, irmão da dita Mecia Vasques, ou a outras pessoas afora aquele, etc. Viseu, 23 de Setemb'o, era de 1429 (iBgi). Liv. 2.0 de D. João /, fl. 60 v. — Ainda encontro registadas mais duas mer- cês de D. João I a Mecia Vasques: Pelas maldades e traições que João Afonso Pimentel co- meteu confiscámos seus bens móveis e de raiz, e vendo os bons serviços que recebemos de Mecia Vasques Goutinha, assim em criar nossos filhos, como outros, e os muitos e estre- mados serviços que recebemos dos da sua linhagem, e esperamos de receber, com acordo da rainha D. Felipa e do infante D. Afonso meu filho primogénito herdeiro, doação para sempre da quinta de Randufe no termo de Chaves, que o dito João Afonso havia etc. Porto, 16 de Outubro, era de 1436 (iSgS). Ibid.., fl. 180. — Doação para sempre a Mecia Vasques Coutinha, e a todos seus herdeiros, de todos os bens móveis e de raiz de Vasco Machado e de sua mulher, porquanto se foram para Castela. Porto, 17 de Outubro, era de 1436 (iSgS). Ibid., fl. 148.
(2) Liv. i." de Honras e Devassos de Além Doiro., fl. 28 v. — Inquirições ordenadas por D. Denís na era de i328, ano do nascimento de 1290
Ataides 8 1
infantes filhos de D. João I, teve Martim Gonçalves de Ataíde os seguintes filhos:
i.° — Álvaro Gonçalves de Ataíde, foi o i.° conde da Atouguia por carta de 17 de Dezembro de 1448 (i), e morreu antes de 14 de Fevereiro de 1462,
(i) Místicos, liv. 3.°, fl. jio. — Mais diplomas relativos ao Conde da Atouguia: Álvaro Gonçalves de Ataíde, do conselho, governador da casa do infante D. Pedro e alcaide do castelo de Monforte de Rio Livre, carta para 5o homisiados poderem viver nessa vila, para a povoarem, etc. Tentúgal, lo de Outubro, era de 1458 (1420). Liv. 4.0 de D. João J, fl. 12 v.
— Álvaro Gonçalves de Ataíde, nosso aio e do infante [D. Fernando], meu irmão, do nosso conselho, mostrou privilégio que lhe foi dado por D. João I. — Álvaro Gonçalves de Ataíde, do nosso conselho e regedor da casa do infante D. Pedro meu filho, sejam privilegiados e escusados todos seus caseiros, lavradores, amos, mordomos, etc. Lisboa, 8 de Outubro de 1425. — Confirma, em Santarém, a 24 de Outubro de 1440. Liv. 2.0 de D. Afonso V, fl. 34.
— D. Álvaro Gonçalves de Ataíde, conde da Atouguia, mostrou uma carta de D. Duarte e quatro do infante D. Pedro. — Eu o infante D. Pedro, duque de Coimbra, e senhor de Mon- temor, pelos serviços de Álvaro Gonçalves, meu cavaleiro e do conselho dei Rei meu padre e meu governador de minha casa, doação dos casais da Chança e do Carvalhal no termo de Penela, etc. Lisboa, i5 de Junho, ano de 1425. — Eu o infante D.Pedro, duque de Coim- bra, senhor de Montemor, pelo serviço de Álvaro Gonçalves de Ataíde, governador de mi- nha casa, doação do lugar de Cernache para sempre. Lisboa, i5 de Junho, era (sic) de 1425. — D. Duarte, o infante D. Pedro nos disse que el Rei D. João lhe fizera mercê do lugar de Cernache com a jurisdição e padroado, o qual foi de Gonçalo Nunes Barreto, e de certos direitos e casais que o mesmo tinha no termo de Alvaiázere e na Albergaria Velha, e do padroado da igreja de Pelema, no termo de Alvaiázere, os quais bens houvera de Gonçalo Nunes por escambo doutros bens no Algarve; e outrosi lhe fez mercê dos casais e herdades da Chança e do Carvalhal, termo de Penela, confiscados a Gonçalo Lourenço, escrivão que foi da puridade de D. João L E consirando os muitos serviços de Álvaro Gonçalves de Ataíde, do nosso conselho e governador de sua casa, lhe fez doação de Cernache e de todos os mais lugares e padroados; mas como a doação, que D. João I deles lhe fizera, fora sob condição de os não poder doar, etc. Confirma as doações feitas, em Santarém a 3 de De- zembro de 1433. — Infante D. Pedro, duque de Coimbra, senhor de Montemor, tendo feito doação a Álvaro Gonçalves dos casais de Chança e do Carvalhal, e sendo êle casado longos anos havia com D. Guiomar de Castro, e não o tendo declarado na carta, vem nesta expres- samente declarar que a ela também foi feita a doação, «consirando e trazendo à memória como a dita D. Guiomar casou com o dito Álvaro Gonçalves a meu requerimento por en- commendamento dei Rei meu padre e da senhora Rainha minha madre», etc. Lisboa, 18 de Fevereiro de 1439. — D. Pedro, duque de Coimbra, os serviços de Álvaro Gonçalves de Ataíde, do conselho dei Rei e governador da minha casa, sendo casado longos anos havia com D. Guiomar de Castro, etc. o mesmo para Cernache. Lisboa, 17 de Fevereiro de 1439. — Confirma D. Afonso V ao Conde, em Évora, a 26 de Janeiro de 1450. Liv. 34P de D. Afonso V, fl. 104 V. — D. Álvaro Gonçalves de Ataíde, conde da Atouguia, apresentou carta. — Álvaro Gonçalves de Ataíde, do conselho, regedor e governador do infante D. Pedro meu irmão, mostrou carta dada à condessa D. Guiomar que Deus perdoe. — A condessa [de OurêmJ D. Guiomar nos disse que tem uma quinta no termo de Benavente, que chamam a Foz, que parte com rio Tejo etc. Carta de couto para a dita quinta. Lisboa, 2 de Junho, era de 1431
VOL. I U
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data da carta do título de conde da Atouguia a seu filho D. Martinho de
(tSgS). — Apresentada a carta por Álvaro Gonçalves, ele nos disse que a dita quinta era ora sua, etc. Confirma, em Avis, 28 de Julho de 1438. — Confirma, em Évora, a i de Dezembro de 1449. Liv. 34.0 de D. Afonso F, fl. io3. — Álvaro Gonçalves de Ataíde, do nosso conselho e regedor da casa do infante D. Pedro, e D. Guiomar de Castro sua mulher apresentaram instrumento. — Em 1438, ao i.° de Dezembro, em Torres Novas, nas poisadas onde ora poisa Álvaro Gonçalves de Ataíde, do conselho dei Rei e governador da casa do infante D. Pedro, estando ele e D. Guiomar de Castro sua mulher, disseram que haviam casado por palavras de presente na era de César de 1450 (1412), em Lisboa, por carta de arras. Ela entregara ao marido em dote todos os bens de raiz e móveis que herdara por morte da Condessa sua avó, e de seu pai, etc. fizeram novo contrato revogando o mais antigo. — Confirma a Rainha e Infante, em Lisboa, a 24 de Janeiro de 1439. Liv. j8.o de D.Afonso V, fl. 44. — Novamente confirmada, em Évora, a 5 de Março de 1450. Ibid., liv. 34.°, fl. 74. — D. Álvaro Gonçalves de Ataíde, conde da Atouguia, do nosso conselho, dá-o por alcaide mor do castelo de Coimbra pela guisa que o havia em tempo do infante D. Pedro, etc. Óbidos, 8 de Agosto de 1449. Liv. 8.° da Estremadura, fl. 225 v. — D. Afonso em sembra com a rainha D. Isabel, minha mulher, e com o infante D.João, meu filho primogénito herdeiro, fazemos saber que a condessa dona Guiomar nos disse como tem tenção de mandar fazer um mosteiro da ordem de S. Fran- cisco acerca da cidade de Lisboa e que, porquanto não achava nenhum lugar tam disposto pêra isso como o vale de Enxuvregas, por ser perto do mar e isso mesmo da dita cidade, de que o dito mosteiro poderia haver grande ajuda de esmola pêra governança das pessoas dele, por em a dita cidade haver muitas notáveis e boas pessoas, e que ainda por o dito mosteiro ser mais àcêrca dela, que outro algum, de semelhante maneira os moradores da dita cidade se desporiam de ir a ele, recebendo muitas doutrinas e bons exemplos àcêrca de sua salvação per as boas e notáveis pessoas àcêrca do serviço de Deus, que com sua ajuda entende encaminhar, pedindo-nos por mercê que lhe quiséssemos outorgar as nossas casas e pardieiros que foram paços, que são em o dito logo de Enxovregas, com o laranjar e certo pedaço de terra nossa, que é horta, tudo junto com os ditos paços, pêra em êles mandar fazer o dito mosteiro, e antes que lhe sobre elo déssemos final determinação, man- damos a João Sodré, que ora á nosso almoxarife do Almazem em a dita cidade, que com Martim de Basto, nosso escrivão dele, chegasse ao dito logo de Enxovregas e soubesse quem trazia essa terra e por que preço, e se era emprazada, e em vida de quantas pessoas, e quanto poderia a nós tudo render. Os quais nos certificaram, que êles por pessoa o foram ver, e acharam que as ditas casas com três hortas, em que são as ditas laranjeiras, foram empra- zadas a um Afonso Eanes, hortelão, já finado, em vida de três pessoas, por 270 livras da moeda antiga em cada um ano, que são desta moeda ora corrente 3714 reais, a razão de 5oo por uma, o qual nomeou ao dito prazo por segunda pessoa a Caterina Gonçalves sua mulher, e ela ha de nomear a terceira pessoa, e com certas pessoas demarcaram o que era necessáriç para o dito mosteiro per esta guisa : as ditas casas e pardieiros, em que foram os ditos paços, com as laranjeiras, e tomaram per a esquina da torre deles que está além da fonte, assim como vai pêra o pé do loureiro, ficando êle de fora, e indo per o longo do caminho, que vai pêra o poço, até ao pé de uma nogueira, que é junta com o dito poço, a qual fica de fora com o dito poço, e assim indo ao longo do rêgo de água até cerrar no ba- celo, e dele indo ao canavial do caminho até tornar a cerrar com as ditas casas e fonte e canto da dita torre, onde começaram, as quais confrontações partem com outras hortas nossas . . . que tudo valeria de renda por ano 1600 reaes, e que tanto se devia descontar à dita
Ataides 83
Ataíde (i). Foi o i." Conde sepultado na igreja matriz da capital do seu condado com um pomposo epitáfio, errado na data numa das versões minhas conhecidas, a qual é a seguinte:
Este Mo[i]mento que enserrado tem o Corpo do Magnifico D. Álvaro Gonçalves de Attaide, Conde de Atouguia, e Senhor de Monforte nÔ podia emsarrar, nem escojider as suas virtudes, as quais como quer que com sua alma segundo piadôiamente voassem ao Ceo, a sua cr ar a memoria ficou na terra por ser aos mortais muito claro exemplo de jnrtudes as quiséssemos demostrar não somente esta pedra, mas ainda híí grande volume de escritu- ras não poderião comprehender. Este dos seus primeiros annos, despresadas as brandas paixões que aos mancebos ás ve\es desvairão dos virtuosos cami- nhos, ajuntou com ardide-{a que do muj excelente Cavalleiro Mai^tim Gon- çalves de Ataide seu Pay por direito de herança lhe acontecera hua manci- dão juesturada com muita prodencia, e convercação graciosa; e assi?n que a verdade da vida sem heprocrecia, e sem outras sirimonias dejingida Ri- ligião, em que elle tanto Lu^io, que não somente as suas obras, mas ainda seus maduros e sãos consselhos, nos Rejs da piado^a lembrança D. João e D. D.'^ cujo Conselheiro foi muito prestais asim nos feitos da guerra, que nos seus pritneiros attnos o dito Rey D. João ouve com ElRef de Castella, nos quais elle asa:{ perigos, e trabalhos passou e soportou, como depois a guerra acabada nas outras cousas, que pertencido ao Regimento do Rejno. Visitou a Ca^a Santa de Jerusalém, e foi na guerra de Bosna com o Em- perador Segismundo, e da hifoi com ElRey D. João na tomada de Ceita com asa\ gente darmas acompanhado, E depois foi com o Infante D. hen- rique no decerco da dita cidade, e no Conselho Geral de Constância esteve aquelles turbados tempos da divi\ão da Igreja por parte do dito Seíior Rey, até que averiguada a scisma, foi hã Santo Papa Martinho em Avinhão creado, e depois foi eleito nas Cortes Aio de ElRey Dom Affonso o quinto bemaren- turadamente Reynante, o qual asim creou e ensinou, que alem da sua ma- ravilhosa natureza muito se mostra hoje em elle a sua doutrina. Partiuse desta vida em idade 7nadura, Anno M. iiii'^ LV. (aliás Af. iHj- LII, como se encontra na outra versão) em grande prosperidade Leixoii mui honrados filhos sussecores em memoria gloriosa nos vindoros se gr os (2).
Caterina Gonçalves, etc. — Nós visto o seu requerimento, fazemos lhe mercê por esmola de doação pêra sempre pêra ela Condessa e todos, que dela descenderem por linha direita masculina,das ditas casas, pardieiros, laranjar, horta, fonte, etc. Santarém, 17 de Outubro de 1435. Liv. i5.o de D. Afonso V, fl. 118 v.
(i) Chancelaria de D. Afonso V, liv. 2», fl. 7.
(2) Sousa, Memorias Sepulchraes, íl. 141 v. — Péssima transcrição do epitáfio, na qual emendei algumas palavras, seguindo outra pouco melhor, mas com a data certa.
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Foi D. Álvaro Gonçalves de Ataíde progenitor dos demais Condes da Atouguia, que no fim do século xvi já tinham a varonia de Câmara, e dos quais o último morreu no cadafalso de Beiêm, a i3 de Janeiro de 1759. Foi igualmente progenitor dos Condes da Castanheira (i de Maio de i532), dos quais saiu o ramo dos Condes de Castro Daire (20 de Junho de i625) e nestes veio posteriormente a fundir-se o ramo originário. A sua varonia extinguiu-se próximo dos fins do século xvii, passando os bens vinculados para a casa dos Marqueses de Cascais. Do i.° Conde da Atouguia proce- deram mais ramos de Ataides relativamente obscuros, e nos quais creio es- tar, há muito, perdida a varonia.
2.° — Vasco Fernandes de Ataíde, fidalgo da casa rial com quinhentas e quatro libras de moradia por mês, foi vedor da casa do infante D. Henrique e a seu lado morreu na tomada de Ceuta, em i4i5, sem deixar geração. Foi o lánico cavaleiro português morto naquela empresa, derrubado por uma grande pedra lançada das muralhas. Ao facto alude uma inscrição num pe- nhasco sob uma torre, parecendo ser aquele letreiro o único vestígio subsis- tente da permanência dos Portugueses em Ceuta. E constituída a inscrição pelo seguinte epigrama:
Vascus Ataydes primus dum hanc occiípat ar cem; Saxum hoc aã limen vitaque, morsque fuit (i).
Como quem dissesse que esta pedra fora para Vasco de Ataíde, o primeiro a entrar nesta fortaleza, ao mesmo tempo a sua vida e a sua morte.
3.° — D. Isabel de Ataíde foi primeira mulher, com geração, de D. Fer- nando de Castro, senhor do paul do Boquilobo.
4.° — D. Helena de Ataíde casou com Pedro Vaz da Cunha, 2.° senhor de Angeja e Pinheiro, de quem teve geração.
5." — D. Felipa de Ataíde, dama da rainha D. Felipa de Lancastre com mil e duzentas libras de moradia, foi a primeira mulher de Gonçalo Anes Chichorro, 3.° senhor de Mortágua.
6.° — Caterina de Ataíde, dama da mesma Rainha, teve igual moradia na sua casa.
Em algumas memórias encontra-se nomeado por irmão do Alcaide mor de Chaves a Gonçalo Viegas de Ataíde, progenitor dos morgados de Ca- parrota, termo de Coimbra, e dos senhores de Penacova; mas não creio haja fundamento plausível para tal asserção.
(i) D. Tomás Caetano de Bem, Memorias dos Clérigos Regulares^ II, 191, reportan- do-se a uma conferência académica do P.e António Caetano de Sousa.
V EÇAS
BnAsÓEs DA Sai-a de Sintra, Vol. I.
X
i
/
De prata, cinco escudeles à antiga de azul, postos em cruz e apontados ao do centro, cada um deles carregado de doze besantes do campo postos em três palas; os escudetes sobrepostos a um cordão de S. F^rancisco de sua cor, com seus nós, posto em cruz, em aspa e em orla. Timbre: águia de azul, armada de vermelho e carregada sobre o peito de uma cruz potêntea cosida de negro. ""
Com pequena diferença encontram-se estas armas no Livro do Armeiro mor, fl. 5o, no Livro da Torre do Tombo, fl. lo, no Thesoiiro da Nobre:{a de Francisco Coelho, fl. 27, no Thesouro da Nobreza de Fr. Manuel de Santo António, e-i, etc.
I
ASSASSÍNIO DE D. MARIA TELES i379
Na madrugada de uma segunda feira, em que se contavam 18 dias do mês de Janeiro da era de 1405, ano do nascim,ento de Cristo de iSôy, finou-se em Estremoz D. Pedro I, o Justiceiro, ao fim de dez anos de reinado; e disse- ram os povos, que «tais dez anos nunca houve em Portugal como estes».
A tristeza e o luto pouco tempo permaneceram na corte portuguesa. O moço Rei muito afeiçoado a todos os prazeres cumpridoiros a um cavaleiro galante e voluntarioso, que, além de soberano, era rico, arredou as mágua« e lançou-se desenfreadamente aos prazeres. O cavalgar, o caçar, o montear, o jogar, e sobretudo o galantear, foram as ocupações predilectas de D. Fer- nando.
Na corte portuguesa não havia outra dama da família rial, a não ser a infanta D. Beatriz, meia irmã dei Rei, filha de D. Inês de Castro. A casa
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da Infanta era o prazo dado das donas e donzelas, que então frequentavam a corte. Os filhos de D. Pedro eram alegres e folgavam, de que em suas casas reinasse o prazer resultante da convivência de muitos e ledos compa- nheiros. Todos tinham casa bem posta e de muitos serviçais, aberta e franca a qualquer cavaleiro ou ilustre escudeiro, que a procurasse. Exceptuar-se- -hia unicamente o infante D. Denis.
D. Beatriz, além de por índole e gosto apreciar e estimar a sociedade dos fidalgos da corte, era certamente incitada a isso pelo Rei seu irmão, que nos seus saraus via uma mina de galanteios e amores. Sucedeu porém, o que de certo ninguém suporia. ;A primeira a cativar o coração do jovem Rei foi a própria irmã! As extravagâncias matrimoniais de D. Fernando causam assombro. Primeiro pretende casar com a irmã, e a sério pede dispensa para tal união; je por fim casa com uma mulher, cujo marido era vivo! E o caso foi, que, em quanto se requeria à Cúria a dispensa, o procedimento dos dois, com falas e jogos amiudados, adubados de beijos e abraços, era tal, que se começou a rosnar da honra da infanta. ^ Seria já a nacional má língua, de que ainda hoje tanto padecemos? ^ou haveria alguma verdade nestas murmurações? Apesar do desabusado do tempo, custa a crer em tanta depravação, e parece (desmancharem o dito os casamentos ajustados por D. Fernando com infantas de Aragão e Castela, durante o tempo, que a estes incestuosos amores assina o cronista.
Na corte da infanta D. Beatriz brilhavam sobre todas as damas pela sua mocidade, formosura, elegância, nobreza e riqueza, D. Maria Teles e sua irmã D. Leonor Teles, sobrinhas do «fiel conselheiro» D. João Afonso Telo, conde de Ourém, filhas do rico homem D. Martim Afonso Telo, e irmãs de D. João Afonso Telo posteriormente conde de Barcelos, e de D. Gonçalo Teles futuro conde de Neiva. A primeira, D. Maria, era viúva do rico ho- mem Álvaro Dias de Sousa, chefe desta ilustre família, o qual falecera antes de Abril de i365 (i), e mãe de D. Lopo Dias de Sousa, mestre da Ordem de Cristo, de cujas rendas ela dispunha na menoridade do filho. A outra, D. Leonor, era casada, havia já uns três anos, com João Lourenço da Cunha, 2.° senhor de Pombeiro, que cometeu a grave imprudência de deixar tão for- mosa mulher visitar a corte, permanecendo éle no seu solar da Beira, para onde, por mais que a chame, ela não volta. O resultado é sabido. D. Fer- nando loucamente apaixonado, e levado pelas arteirices de D. Leonor, calca aos pés todas as resistências, e casa, em Janeiro de 1372, com a mulher de João Lourenço da Cunha.
(i) Archivo histórico poríuguei(, lY^ i63.
Eças 89
Apresentada a nova Rainha à corte, todos lhe beijam a mão, ainda que alguns contrafeitos, negando-se a isso unicamente o infante D. Denis, res- pondendo briosamente às injunções: «que lha não beijaria, mas que lha bei- jasse ela a êle» (i). O outro irmão dei Rei, o infante D. João, não escru- pulizou, e foi o primeiro a saudá-la, permanecendo por esse facto na corte e recebendo acrescentamento.
Este infante D. João, o mais velho dos filhos então existentes de D. Pe- dro I e de D. Inês de Castro, era «muito igual homem em corpo e em geesto, bem composto em parecer e feiçoÕes, e comprido de muitas boas manhas, muito mesurado e paaçaão, agasalhador de muitos fidallgos do reino e es- tramgeiros, e muito graado e prestador a qual quer que em elle catasse cobro».
Grande monteiro, passava dias e dias correndo montes e vales embre- nhado nos bosques e charnecas, procurando os ursos e Javalis, e com tal afoiteza, que por vezes correu não pequeno perigo. Desta sua paixão lhe resultava uma tam grande afeição pelos seus nobres alãos Bravor e Rabês, que os trazia para a cama e entre eles dormia. Igualmente bom caçador não poupava as perdizes e lebres, que se lhe deparassem; e nas Justas e tor- neios distinguia-se entre os melhores. Primava êle porem, d'entre todos os exercícios corporais, no de cavalgar, no qual a sua destreza e ardimento o faziam ter na conta de ser o primeiro de toda Espanha naquela nobre arte. Era simultaneamente liberal. Jogador e galanteador, e não lhe faltava, para formar o tipo do cavaleiro d'então, a rudeza orgulhosa, a superior ignorância e o pronunciado desprêso pelos ditames da moral, quando opostos à sua am- bição ou aos seus caprichos.
Tam perfeito cavaleiro não carecia decerto da qualidade de infante, para inspirar violenta paixão a qualquer dama; e assim sucederia, se aquela que veio a amar não pertencesse a uma família, onde a ambição preferia a tudo.
(i) Este brioso infante D. Denis foi sepultado, conforme declara D. António Ponz, Viage de Espana, vol. 7.°, pág. 65^ em uma capela chamada dos Quatro Altares, imediata ao San- tuário no célebre mosteiro de Guadalupe. Foi sua filha D. Beatriz que em 146 1 mandou erigir-lhe o mausuléu, para êle e outro para sua mulher, a infanta D. Joana, dando-lhes, na escritura para êssé fim lavrada, o título de Reis de Portugal. O lugar, então escolhido, foi o centro da capela; depois, quando naquele convento se encontraram Felipe II e D. Sebas- tião, foram, com licença de ambos, passados os túmulos para as paredes fronteiras aos dois altares, que ficaram subsistindo, e sobre cada um dos mausoléus se colocou uma figura de pedra ajoelhada, representartdo a da mão direita a D. Denis, a quem dedicaram este epitáfio :
Hac Lusitanae jacet uma gloria pentis, Dinis ab invicto clara propago Petro Cui natura dedit Regis cuui slemate nomen, Detulit Infantis pátria sors titulum.
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Continuando a frequentar a corte, breve se deixou D. João cativar pela formosura e atractivos de D. Maria Teles, a irmã da Rainha. Declarados os seus sentimentos e não de todo repelidos, significou-se-lhe contudo, que, para a posse da .mulher desejada, teria de passar primeiro pela igreja e que, sem o sacramento, nada obteria. Até aqui perfeitamente: D. Maria defen- dia a sua honra, e fazia bem; <; demais, desde que sua irmã tinha casado com el Rei, atropelando todas as conveniências sociais, seria para estranhar, que ela, estando livre, casasse com o Infante? Revela pprêm o artifício da fa- mília dos Teles o modo de alcançar o apetecido casamento.
Não ignorando D. Maria quam violento era o amor de D. João, e quam poderosa é,,em pessoa acostumada à satisfação dos seus apetites e caprichos, a resistência da mulher amada, e até que ponto de alucinação pode levar o regatear da suspirada posse, resolveu dar o último golpe na indecisão do Infante.
Consente nas suas solicitações, e apraza-lhe uma hora da noite para à puridade o receber em sua casa. A íim de conciliar a vitória, emprega os maiores desvelos em aperceber, a si, e à sua câmara, por forma a exacerbar os desejos do namorado Infante. Veste as suas melhores galas, aquelas que mais realçavam, a sua beleza, e apresenta-lhe uns aposentos, cujo conforto, como hoje dizemos, pedia a persistência.
Com o coração aos pulos no peito sobe o apaixonado cavaleiro a escada, e penetra na câmara conduzido silenciosamente por mão de discreta mensa- geira. Tudo rescendia amor, desde a formosa mulher até às fofas almofa- das, discretos tapetes e recato do leito, entrevisto na sombra da próxima alcova. Doido, lança-se o Infante aos pés da sua adorada, e ternamente lhe renova os amorosos protestos. Ela porem, repelindo-o brandamente, vai deixando chegar a paixão ao apogeu, e invocando então o maior, e quási sempre infalível argumento da mulher amada e bela, deixa correr as lágri- mas. O seu amor é grande, mas estima mais a sua honra; e, se o Infante realmente a ama^ não a quererá ver infamada. Se a quer possuir, se lhe quer chamar sua, pode fazê-lo já, penetrando primeiro no contíguo orató- rio, onde um padre e duas testemunhas em breves minutos os unirão para sempre.
iQue havia de fazer o Infante? Tudo se lhe tinha varrido da mente, e só nela chamejava, atiçada pelos desejos, a imagem da mulher adorada, para cuja posse apenas se pediam uns curtos momentos de espera. Está dito; casemos.
Na manhã seguinte, quando o pagem de D. João pegou nas suas roupas da véspera achou nelas um perfume suave, embriagante que despertou no mancebo sensações deleitosas.
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Tendo o Infante posto por condição ao casamento o mistério, continuaram a ver-se a furto, e por algum tempo iludiram os curiosos; mas, como o se- gredo que passa de dois dificilmente é mantido, dentro em pouco começou-se a murmurar das visitas de D. João. A boa reputação de D. Maria Teles estava porem por tal forma assente, que ninguém duvidou houvera casamento secreto.
Chegada a novidade aos ouvidos da Rainha, esta, em vez de folgar com o acrescentamento da irmã, tomou-se de inveja e ódio, incrível em outrem que não fosse D. Leonor, cujo carácter era para extremos destes. Começou a adúltera a antever que por morte de D. Fernando, em quem já se ma- nifestavam os primeiros sintomas da tísica, seria proclamado rei o infante D. João, e que teria ela portanto de se esbater na sombra para ceder o campo á nova rainha. Via mais, que D. Maria, respeitada pelo seu bom porte, seria estimada de todos e obteria logo o que D. Leonor, apesar de tantas mercês e dádivas, não conseguira ainda, isto é, o amor de seus vas- salos. Esta idea tornara-se fixa, e a tal ponto importunava o seu espírito, que, não podendo mais suportá-la e não lhe vendo outro remédio, resolveu destruir a causa de tam assustadores efeitos.
Que D. Leonor assim pensasse, unicamente causará assombro a quem não conhecer a sua índole desalmada; jmas que para esta maldade ela encon- trasse um cúmplice no próprio irmão do algoz e da vítima, isso sim, isso é que é assombroso! D. João Afonso Telo, almirante de Portugal, de corpo e alma dedicado à Rainha sua irmã pelas muitas mercês dela recebidas, e de carácter igualmente perverso, aceitou sem dificuldade o papel de lago, que a Rainha lhe destinou na delineada tragédia, onde Desdémona seria a própria irmã, e Othelo o cunhado.
Começou o Almirante a frequentar o infante D. João mais do que costu- mava, e a deixar cair na conversação palavras e frases, que lhe sugerissem a idea de suceder ao irmão no trono, casando com a sobrinha. Despertada a ambição do Infante, falou-lhe claro, e, como que da parte da Rainha, ofe- receu-lhe a mão da infanta D. Beatriz, mostrando-lhe quanto D. Leonor de- testava a projectada aliança da filha com o Duque de Benavente. A tentação era já grande, mas o murmúrio da consciência conservava o Infante ainda indeciso.
Recorreu-se então a outro meio; à calúnia torpe e vil. Ou o futuro Conde de Barcelos, ou Diogo Afonso de Figueiredo, vedor do Infante, ou Garcia Afonso do Sobrado, seu conselheiro, um deles, foi assaz infame para insinuar no ânimo do marido de D. Maria Teles, que era traído, e que sua mulher tinha um amante.
D. João, crendo nesta aleivosia mais prontamente do que devera, le-
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vado decerto a isso por ela lhe proporcionar pretexto para satisfazer sua ambição,' dando-lhe motivo para executar o sinistro propósito de matar a mulher, põe-se a caminho a fim de praticar tal feito tam indigno de cava- leiro.
Dirigiu-se a Alcanhões, onde então estava a corte, e ao aproximar-se da povoação topou D. João Afonso Telo, que, acompanhado de muitos fidalgos, vinha ao seu encontro.
No dia da chegada jantou com o cunhado, e no seguinte com sua prima D. Isabel de Castro, dama da rainha e filha do Conde de Arraiolos, sendo em ambos estes convites tratado com grande magnificência e jiábilo. D. Isa- bel, como senhora de extremada belesa, tinha muitos admiradores entre os fidalgos portugueses e estrangeiros, distinguindo-se entre eles D. João Afonso, muito seu apaixonado. Todos se apresentaram na festa, em que se folgou e dançou até à tarde, terminando por uma espécie de merenda de frutas e vinhos, no fim da qual ofereceu o cunhado ao Infante uma preciosa cota de armas, uma adaga de boa têmpera, e uma faca, fogosa e alentada, que lhe tinham trazido de Inglaterra. Isto é: ministrou-lhe as armas com que mataria a irmã, e proporcionou- lhe meio seguro e rápido de condução.
De casa de D. Isabel de Castro dirigiram-se as donas e donzelas, os ca- valeiros e escudeiros, em luzida comitiva ao paço, onde alegremente foram recebidos.
A sós com a Rainha e o futuro Conde de Barcelos teve o Infante uma demorada conversação e, terminada ela, retirou-se D. João para casa do cunhado, onde pernoitou. Na madrugada seguinte partiu direito a Coimbra, não aceitando o jantar que no seu castelo, por onde passou, lhe ofereceu seu enteado o Mestre de Cristo, que pela recusa, pressentindo o perigo, mandou a toda a pressa avisar sua mãe. D. Maria, animosa e inocente, desprezou o aviso do filho, como já desprezara outros.
Seguindo seu caminho saiu o Infante de Tomar, e foi dormir ao Espinhal, d'onde partiu à meia noite para chegar, pouco antes do amanhecer, ao antigo convento de Santa Ana, junto à ponte de Coimbra, ainda para diante do si- tio, onde hoje se vêem as ruínas do velho convento de Santa Clara. Aí fez alto, e depois de ter durante momentos falado à parte com os seus dois criados atraz nomeados, dirigiu-se a todos os seus homens de armas, dizen- do-lhes o fim a que ia a Coimbra, ocultando ainda assim a parte principal de seus funestos projectos.
Atravessada a ponte e chegados à couraça, chamou o Infante por um dos seus escudeiros, que tinha cursado as aulas, e advertindo-lhe, que D. Maria poisava nas casas de Álvaro Fernandes de Carvalho, encarregou-o de os en- caminhar para lá.
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Dirigiu o antigo estudante a cavalgada direito à igreja de S. Bartolomeu, d'onde nascia uma estreita rua, que ia desembocar na frente da porta das ditas casas, e com tamanha infelicidade que chegaram no momento, em que uma mulher saía a ir ao rio lavar, a qual, abrindo a porta, lhes franqueou a entrada.
Neste comenos tinha rompido a aurora, e a manhã aproximava-se. , O Infante com os seus subiu, e na primeira sala encontraram umas cria- ' das ainda deitadas, que lhes disseram estar D. Maria fechada nas torres, onde tinha sua câmara e a de seu filho. Pobre criança, cuja imagem, evo- cada em tal transe, não despertou na consciência de seu malvado pai nem uma sombra de remorso, nem um instante de hesitação.
— i Vassalos! arrombem as portas. Quem mais poder quebrar, mais quebre.
Acorda D. Maria Teles ao estrépito do arrombamento, e trémula, ansiosa, cheia de susto e terror, salta da cama mal embrulhada na colcha, tendo, para não cair no chão, de encosiar-se à parede junto ao leito. Avistado o marido exclama:
— O! senhor, ique vinda é esta tam desacostumada?
— Boa dona — diz ele — agora o sabereis. Vós andastes dizendo que eu era vosso marido, difamando-me por todo o reino ao ponto de chegar aos ouvidos dei Rei, e da Rainha, sabendo que era caso para me mandarem matar, ou me porem em prisão para sempre, e fizeste isto, quando deveríeis tal encobrir a todos os do mundo. E, se na verdade sois minha mulher, ainda mais mereceis a morte, pois cometeis adultério. — E lançou-lhe a mão ao ombro.
— O! senhor — lhe responde a mísera — bem entendo que vindes mal aconselhado, e perdoi Deus a quem tal conselho vos deu. Contudo apraza a vossa mercê de vos apartardes comigo por um pouco para aquela câmara; ou de mandardes sair vossos moradores, que eu saberei mostrar-vos um con- selho mais proveitoso, do que aquele que vos deram contra mim. Por com- paixão ouvi-me, e tempo tereis para fazerdes o que vos aprouver.
— Não vim aqui para estar comvosco em conversação. — E dizendo estas palavras, deu o Infante um forte puxão pelo colcha, descobrindo quási todo o alvo corpo de D. Maria, causando esta scena tam violenta impressão e profundo dó nos circunstantes, que todos viraram a cara, não podendo conter as lágrimas e os soluços. E no momento de a descobrir, deu-lhe o Infante, com o bulhão do Conde de Barcelos, uma funda punhalada entre o ombro e os peitos, direita ao coração.
— Madre de Deus acudi-me! e tende mercê da minha alma! — exclamou ela em mui altas e doridas vozes.
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Entretanto o malvado arranca o punhal da ferida, e crava-o novamente, dirigindo- o, por um requinte de malvadez, às verilhas.
— Jesus! filho da Virgem, acudi-me!
E com estas palavras se fecharam para sempre os lábios da desditosa D. Maria Teles, que pagou, com pena desproporcional ao delito, o ter astu- ciosamente forçado o casamento do Infante (i).
(i) Vou ver se me. será possível fixar a data do assassínio de D. Maria Teles; parece-me que sim.
Em Leiria, a 20 de Novembro de iSyò, celebraram-se os esposórios da infanta D. Beatriz com o Duque de Benavente {Clironica de D. Fernando, cap. 96). Depois disto começou D. João Afonso Telo a tentar o infante D. João {Ibid , cap. loi). O Infante, já convencido, vai à corte, que estava em Alcanhões, termo de Santarém. D'aí, resolvido de todo, parte com seus criados para Coimbra, passando por Tomar, onde descança. Desta vila segue para o Espinhal, onde dorme. A meia noite continua o caminho, e por Foz de Arouce chega à ponte de Coimbra antes de alvorecer. Demora-se um pouco em conciliábulo com os seus, entra na cidade, e chega à porta da casa de D. iMaria, quando «a alva começava desclarecer e trigavasse a manhã pêra viir» (Ibid ^ cap. io3). Já rompia o dia, quere isto dizer.
Consumado o crime, foge para a fronteira da Beira, onde permanece algum tempo; volta perdoado, e a'vista-se com el Rei em Salvaterra, d'onde com ele segue para o Alentejo {Ibid., cap. 104). Aí, no Vimieiro, desgostoso, afasta-se da corte {Ibid., cap, io5).
São estes os traços gerais da narrativa de Fernão Lopes.
Antes de mais notarei, que aquela noite da última tirada do Infraite havia de ter sido bem estendida, pois que lhe deu tempo para, da meia noite até antemanhã, andar oito lé- goas, que tanto é a distância do Espinhal a Coimbra {Portugal sacro-pro fano). De noite, por caminhos maus e montanhosos, não quero que uma turma de cavaleiros andasse mais de légoa e meia por hora; portanto precisou de cinco horas para a viagem, e os acicates bateriam. Já temos um facto positivo: o crime foi perpetrado na quadra em que as noites são compridas. Agora falta marcar o ano.
Depois de feitos os esposórios ainda D. Fernando permaneceu em Leiria, onde assinou a 6 de Dezembro uma carta de legitimação {Monarchia lusitana^ 8.* p., pág. 222). D'aí se- guiu para o norte, e em 29 do mesmo mês já estava em Vila Nova de Anços (ã/., ibid.). Entrou o ano de iSjy, e a 20 de Janeiro encontrava-se el Rei em Tentúgal. Por aí e por Coimbra passou todo o inverno, e, chegado o bom tempo, abalou para a Beira Alta. Pela Vacariça dirigiu-se a Viseu, Folgosinho, Guarda, Teixoso e Covilhã, onde passou a segunda metade de Outubro. Daquela então vila fez ponta a Belmonte, seguindo de lá, por Açores e Celorico, até Trancoso, onde estava em princípios de Novembro. Pouco aí permaneceu, pois que a 24 daquele mês já se encontrava de volta em Tentúgal [Ibid., pág. 236 a 238). Fica portanto completamente excluído o ano de iSyy, pois que nesse D. Fernando não saiu da Beira.
Em 1378 passou el Rei o inverno em Coimbra, e a primavera por Torres Novas e San- tarém. No verão porém seguiu para Óbidos e Atouguia, e, sempre por aquelas partes, jor- nadeou não longe do mar até ao fim do ano, em que o encontro, no primeiro dia do se- guinte, outra vez na Atouguia {Ibid.^ pág. 238 e 239). Este ano tenho também de deitar fora, pois que, se D. Fernando andou por Santarém, foi já meado Abril, quando começa a aurora
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Tam simpática é a vítima, como odiento o algoz, que na minha aversão só consegue ser excedido pelos dois maquinadores da negra trama.
A expiação começou logo. Repelido o Infante com pouco rebuço pela Rainha, compreende ter sido nas suas mãos apenas o instrumento do ódio de D. Leonor, que, unicamente para o engodar, lhe acenara com o casamento e o trono, do qual vê que o seu crime o afastara para sempre. Perseguido pelo Conde de Neiva e pelo Mestre de Cristo, irmão e filho da assassinada, unicamente defendido por seu tio o Conde de Arraiolos, acha-se D. João na necessidade de andar homisiado pela Beira, passando trabalhos, privações e inclemências, até que,, mais apertado, penetra em Castela (i).
Por intercessão de sua irmã, a Condessa de Alburquerque, alcança a pro- tecção de D. João 1, que lhe dá o senhorio de Valência de Campos, Alba de Tormes e outras povoações, cujos, rendimentos não chegavam para manter' a casa que lhe cumpria, tendo de se valer da esmola dalguns fidalgos caste- lhanos.
pelas quatro horas da manhã, e portanto não dava tempo ao Infante para a tal sua última tirada. E não só por isto, mas também porque nenhuma viagem se fez por então ao Alen- tejo.
Chego emfim ao ano de iSyg, aquele em que estou persuadido se cometeu o crime. No dia I de Janeiro achava-se a corte na Atouguia, como disse. No princípio do mês se- guinte já estava em Alenquer, onde, tirante uns dias passgdos em Vila Nova da Rainha, per- maneceu por todo o Março e parte do Abril; a 17 deste porem já estava em Salvaterra, e a 29 em Santarém. D'aqui por Sintra veio para Lisboa. A última notícia, que tenho, de D. Fernando estar nesta cidade, é de 16 de Setembro; depois disto voltou para Santarém, onde assinou uma carta de certa mercê a 5 de Novembro [Ibid.^ pág. 345 e 346).
Estava portanto D. Fernando em Santarém nos princípios de Novembro de iSyg, e de lá iria passar algum tempo a AlcanhÕes,